É um fato: nós, brasileiros, adoramos uma competição de calouros. É certo que esse tipo de programa faz sucesso no mundo inteiro – vide o tamanho alcançado por franquias como The Voice e American Idol – mas tem algo de peculiar pelo gosto que nós temos em ver pessoas na TV expondo seus talentos (ou a falta deles), promovendo-nos, do lado de cá da tela, a jurados preparados para julgar – e espinafrar – as capacidades alheias. Tem algo de trash, de kitsch, de um divertimento leve que foge a qualquer racionalização.
Embora provavelmente ninguém no país saiba criar shows de talentos como Silvio Santos (sua mediação, de fato, é o fator crucial para a graça dos seus programas), a Globo tem aperfeiçoado, a cada ano que passa, as formas pelas quais se produz competições entre celebridades. Não se esperaria nada menos da “Vênus Platinada”, é claro – uma vez que tem à disposição um elenco tido como de primeira linha, frente às demais emissoras (basta lembrar daquele meme “morreu ou foi pra Record?”), e não tem exatamente vocação para explorar programas com anônimos (exceto em atrações com cunho assistencialista, como Caldeirão do Huck).
Show dos Famosos é, no fim, apenas uma atração pretensiosa de fim de noite de domingo. Por isso mesmo, é um deleite para quem está ali, fazendo nada em frente à televisão.
É esse o gancho – o de assistirmos a uma competição acirrada entre celebridades – que sustenta Show dos Famosos, que está sendo exibida em sua segunda temporada no Domingão do Faustão. O quadro é significado pelo apresentador a todo instante como uma atração sobre “superação”, levado com uma seriedade como se fosse um musical da Broadway. O clima é de superprodução: a ideia é acompanhar a uma transformação completa de alguém famoso, que modifica o corpo, a voz, a performance, e tenta “incorporar”, em uma espécie de homenagem, outro artista que admira. Toda a encenação – que envolve cenário, orquestra, dançarinas, projeção em 3D – tem uma pegada megalomaníaca. Os jurados (Claudia Raia, Miguel Falabella e Boninho) vão ao programa vestidos para um grande evento, e apresentam análises de forte cunho técnico.
É trash, exagerado, e por isso mesmo, divertidíssimo. A segunda temporada, no entanto, tem parecido menos empolgante que a primeira – possivelmente por ter perdido o tom de novidade, mas talvez por causa das celebridades convidadas. Participam do Show dos Famosos em 2018 a atriz Alessandra Maestrini (mais conhecida como a Bozena de Toma lá dá cá), o cantor Paulo Ricardo, o músico Mumuzinho, a cantora sertaneja Naiara Azevedo, a cantora Sandra de Sá, o ator e cantor Tiago Abravanel (que, curiosamente, é neto de Silvio Santos), a atriz Helga Nemeczyk (de carreira construída no teatro, talvez seja o nome menos conhecido do elenco) e o ator e diretor Silvero Pereira (também conhecido no teatro, mas que despontou na TV aberta na novela A força do querer).

A regra é simples: os participantes são divididos em 2 grupos que competem a cada 15 dias. A competição, aliás, é mais uma desculpa (nunca se fala de uma premiação ao vencedor, por exemplo) para que as celebridades sejam exibidas nas transformações mais estapafúrdias. Nesse quesito, a segunda temporada está mais radical que a primeira. Especialmente Helga Nemeczyk (que incorporou o tenor Luciano Pavarotti) e Alessandra Maestrini (que montou um Axl Rose algo caricaturado) estão arriscando em interpretações que ficam entre o impressionante e o risível. Alguns chamam a atenção justamente pelo comodismo e pela aparente falta de talento (as performances de Paulo Ricardo, por exemplo, são bem inferiores às demais). Já Silvero Pereira, muito carismático, tem chamado a atenção por causa da avaliação dos jurados, tida como injusta.
O quesito “alcance da transformação”, aliás, talvez seja o principal no julgamento que é feito – pelos jurados e por nós, espectadores promovidos a profissionais. É talvez uma das poucas discussões laterais suscitadas pelo programa: Silvero, que tem um longo e premiado trabalho no teatro abordando a comunidade trans, deveria ser desafiado a interpretar apenas homens, uma vez que teria certa facilidade em incorporar mulheres? E Sandra de Sá e Mumuzinho, que são negros, deveriam interpretar artistas brancos, numa espécie de black face reverso, ou isso seria depreciativo à raça negra? Que mensagem sobre a cultura brasileira se carrega quando Helga traz ao palco sua versão de Gretchen, uma celebridade alçada a cult justamente por seus escassos talentos (embora tenha um carisma incomparável)?
São questões possíveis, mas apenas tangenciais – Show dos Famosos é, no fim, apenas uma atração pretensiosa de fim de noite de domingo. Por isso mesmo, é um deleite para quem está ali, fazendo nada em frente à televisão, e acha alguma diversão tuitando comentários ácidos sobre as performances apresentadas (sempre na linha do “mirou no Roberto Leal, acertou no Gugu”). No fim, é essa a nossa “Broadway brasileira”: uma superprodução, veiculada no mais popular dos meios de comunicação, para ser consumida sempre pelo viés do deboche.