Teve um bom tempo em que os grandes meios de comunicação de massa reinavam absolutos entre a população. Aparecer num programa de televisão ou ser tocado em uma grande emissora de rádio era, para muitos artistas, um ponto de virada na carreira (o que, obviamente, levava a práticas altamente condenáveis como a do jabá, que consistia em pagamentos para fazer com que tal música fosse veiculada muitas vezes).
Era também um tempo em que conhecer algo novo demandava de um esforço incrível, um verdadeiro trabalho de garimpo: ler revistas, comprar discos, ir atrás de publicações estrangeiras, ter contato com as pessoas certas. Artistas que não se adequassem ao gosto popular (e que não encontrassem as “ferramentas” certas para chegar no povo) estavam condenados a permanecer nanicos e, possivelmente, jamais encontravam de fato um público que pudesse fazer seu trabalho frutificar.
Mas estes já são tempos remotos. Em poucas décadas, podemos dizer que tudo mudou no universo da música. Hoje, qualquer lançamento está ao alcance de um download (um marco nesse processo foi o lançamento de Is this it, dos Strokes, em 2001 – o primeiro disco que todo mundo ouviu primeiro na internet). A MTV, que centralizava o consumo musical dos jovens, previu o fim de uma era e parou de veicular videoclipes – que eram, de fato, a sua essência. Os serviços de streaming e os sites de vídeos, como o YouTube, viraram a preferência dos fãs da música. As rádios perderam uma boa fatia do mercado que exploravam: hoje não são mais elas que definem, prioritariamente, o que vai vingar. A indústria fonográfica precisou achar outras formas de continuar existindo para além dos ganhos com discos vendidos.
Digo isso porque é preciso delinear o cenário no qual a Globo lança seu novo programa, Só toca top, nova atração dos sábados à tarde, encabeçado por dois apresentadores: o cantor sertanejo Luan Santana e a atriz e apresentadora Fernanda Souza. Não há exatamente originalidade na proposta: a Globo já explorou, entre a década de 1970 e 1990, o Globo de Ouro, que fazia exatamente a mesma coisa: dava ao grande público televisivo a oportunidade de ouvir os sucessos do momento. Já a MTV exibiu, entre 1990 e 2006, o Disk MTV, que mobilizava os fãs para que votassem nas músicas de seus artistas favoritos para que seus clipes alcançassem o topo.
Por isso tudo, causa uma forte estranheza que, em tempos de mega segmentação, a Globo ainda resolva investir num formato que visa justamente valorizar a música mainstream – ou seja, os sucessos “pasteurizados” (para usar um termo meio esquecido hoje em dia) que falam com todos e com ninguém ao mesmo tempo. Não estamos falando dos artistas consagrados que carregam consigo um fervoroso fandom (como Ivete Sangalo, Claudia Leitte, Anitta), mas sim os que estão emplacando hits (na maior parte, de qualidade duvidosa) enquanto tentam construir uma carreira mais sólida.
Tudo soa anacrônico em Só toca top: parece um programa meio desencaixado do seu tempo.
Em suma, tudo soa anacrônico em Só toca top: parece um programa meio desencaixado do seu tempo. Ainda que estejam desenvoltos nas suas performances, os apresentadores precisam o tempo todo destacar a grande chance que a plateia (e, por consequência, os espectadores) está tendo ao ver ao vivo aqueles artistas.
São chamados então ao palco convidados que são elencados a partir de rankings confusos (como um top da internet – não é esclarecido como se chegou a tais nomes, uma vez que os parâmetros dessa escolha não são expostos). Justiça seja feita: as pessoas presentes na plateia parecem conhecer de cor todas as músicas.
Ainda assim, há várias coisas que pareceram bizarras na estreia do programa: o nome do artista aparece o tempo todo na tela enquanto o sujeito canta, numa tela poluída também com hashtags forçadas (meio que reiterando a intersecção com a internet); não há artistas mulheres entre os escolhidos para cantar (com exceção da componente da banda Melim, que apareceu como uma “aposta” do programa); todas as letras das músicas são reproduzidas no GC, o que lembra o Domingão do Faustão; o cenário reproduz a experiência de um grande show com artistas “top”, e há uma medonha área VIP em que pessoas escolhidas olham tudo de cima; o palco tem diferentes níveis, e na maior parte do show, Luan e Fernanda estão distantes dos artistas convidados, o que parece meio antipático. Por fim, vale reiterar que, a julgar pelo primeiro programa, o Brasil ouve pouquíssimos gêneros: basicamente, sertanejo, funk, arrocha, pagode e reggae.
Como aparenta em tudo meio desconectado de sua época, Só toca top não parece exatamente uma boa substituição em relação ao Estrelas, de Angélica – e não sugere haver um grande caminho de longevidade para ele. E a julgar na experiência com a música, o quadro “Ding Dong”, do Domingão do Faustão, que revisita sucessos e artistas antigos, parece bem mais divertido.