No começo do mês, a Netflix disse sashay away às temporadas dois a sete de RuPaul’s Drag Race. Por mais que ainda reste a oitava, o resto da produção deixará saudades — tanto pelo entretenimento quanto pelas inúmeras reflexões sobre o que significa fazer drag e ser parte da comunidade LGBT*.
RuPaul’s é o que ensina pra muita gente o que exatamente é ser uma drag queen. No Brasil, o conhecimento ainda é mínimo: antes da Pabllo Vittar, a principal referência que tínhamos de drag eram os homens vestidos de mulher em programas humorísticos TV afora. E tudo bem, isso é drag. Mas ainda é uma caixinha muito pequena para colocar uma forma de arte tão significativa.
Aliás, é uma boa explicar: drag é uma forma de arte. Não se trata de disforia de gênero, mas sim de um ator interpretando um personagem. Drag queens existem desde a Antiguidade, quando homens interpretavam papéis femininos no teatro porque as mulheres eram proibidas de atuar. No século XX, a arte drag foi ressignificada pela comunidade gay. Nada melhor que brincar com os padrões de gênero para tirar um pouco do peso da heteronormatividade.
Em meio a tudo isso, essas seis temporadas de RuPaul’s Drag Race tiveram muito a falar sobre os desafios de ser LGBT* e de fazer drag.
Aliás, é uma boa explicar: drag é uma forma de arte. Não se trata de disforia de gênero, mas sim de um ator interpretando um personagem.
Uso de drogas
Inúmeras pesquisas mostram que LGBTs* usam mais drogas que a população em geral. Um estudo da ONG Stonewall apontou que metade dos homens gays e bissexuais usaram drogas no último ano, em comparação com apenas um em cada oito (12%) dos homens em geral. Essa realidade foi muito bem representada no reality.
Ainda na 2ª temporada, Sahara Davenport admitiu ter tido problemas com drogas sintéticas: “As pessoas que eu amava não me amavam, então eu achei consolo e conforto em outra coisa”.
A questão voltou a ser discutida na temporada sete, com a queridinha dos fãs, Katya. A pressão do programa a fez temer uma recaída: “Estar longe da minha rede de apoio tem sido brutal”, disse a drag. Ela encontrou conforto na experiência de outra participante, Miss Fame, sóbria há nove anos. Discutir o problema ajudou ambas. “Criar laços e abandonar meus medos faz eu me sentir mais forte”, opinou Fame.
Suicídio
Não é novidade que as taxas de suicídio de LGBTs são alarmantes. Uma pesquisa publicada em 2015 no Journal of the American Medical Association indica que 25% de jovens LGBT tentaram suicídio ao menos uma vez no ano anterior. Entre jovens heterossexuais, foram 6%.
Pandora Boxx, rainha conhecida por seu senso de humor, admitiu ter tentado se matar. “Eu não sabia o que gay era, só sabia que eu era totalmente diferente. Me sentia totalmente sozinho, me odiei por anos e achei melhor tomar comprimidos, porque não conseguia mais lidar com aquilo”, revelou na 2ª temporada. Sua vida mudou de rumo quando descobriu o teatro e o drag: “Comecei a sair do casulo, ser mais aberto e gostar mais de mim mesmo”.
Segundo um estudo publicado no diário oficial da Academia Americana de Pediatria, jovens rejeitados pela família por serem LGBT têm 8,4 vezes mais chances de tentarem suicídio. O pai de Pandora não aceitava o drag. Só o reconheceu quando estava doente, no hospital. “Ele me ligou e disse que assistiu ao show, que estava muito orgulhoso e que era meu fã número 1. Essa é a ligação pela qual esperei minha vida toda”, explicou entre lágrimas na reunião da temporada.
Mas por que fazer drag?
Raja, queen da 3ª temporada, encontrou refúgio no drag: “Na geração em que eu cresci, ser gay era nojento e era uma subcultura. Ser drag me salvou”. O mesmo aconteceu com Pearl, da 7ª temporada. “A Pearl era uma personagem que eu desenhava desde os meus 10 anos porque me ajudava a fugir das coisas horríveis ao meu redor”, explicou. Quando ficou mais velha e percebeu que era gay, descobriu que queria fazer drag: “Um dia só pintei ela em mim no lugar do papel”.
Trixie Mattel, também da 7ª temporada, usou o drag para ressignificar os abusos que sofreu do pai. “Se eu estivesse sendo muito sensível ou feminino, ele me chamava de Trixie. Então eu peguei esse nome, que costumava carregar tanta dor, e fiz dele o meu nome drag. Agora é algo que eu celebro”, explica.
Cada drag queen carrega uma história única de representatividade, que traz luz para milhões de telespectadores que encontram alguém com quem se identificar. O fazer drag e sua essência continuam muito bem representados na oitava temporada, mas ainda são oitenta drag queens que saem da Netflix: oitenta histórias de diversidade, inclusão e superação menos acessíveis a telespectadores brasileiros.