Em meio a uma grade televisiva em que o assunto número 1 é um programa absolutamente tenso e baixo astral – falo, claro, do Big Brother Brasil 21 –, a Globo conseguiu colocar no ar uma pequena grande surpresa: a versão “sessenta mais” da franquia The Voice Brasil, a principal competição musical das emissoras abertas. The Voice + tinha tudo para ser péssimo – mas, por motivos que tentarei explicar, é um programa delicado e emocionante.
Em outro texto, comentei que não há nada mais chato que reality shows com crianças. Dentro dessa leva de nicho, destacaria especialmente os reality shows musicais, por razões diversas: crianças ainda estão em fase de desenvolvimento de suas vozes e, por conseguinte, costumam ter timbres muito parecidos (geralmente agudos); há uma disparidade de idades entre os participantes, o que torna a competição muito desnivelada e injusta; há todo o cuidado para preservar a saúde mental das crianças com comentários leves, fazendo com que boa parte das apreciações dos jurados perca a graça.
Ao trazer à tona a centralidade da música na jornada das pessoas, a partir da história dos que “não chegaram lá”, dos que tiveram seu sonho adormecido, o programa ainda faz um importante comentário sobre a fugacidade do que se convenciona chamar de sucesso.
Frente a isso, a expectativa em torno do “The Vovoice Brasil” (o neologismo genial é do colunista do UOL Chico Barney) era praticamente nula. Afinal, se o The Voice Kids é um festival de fofices e comentários cuti-cuti, por que, afinal, seria diferente com a versão dos “vovozinhos”? A resposta é: não, The Voice + não consegue fugir do tom condescendente que já era esperado a ele. Mas a grande graça do programa não está nos jurados (que, na minha visão, tem um papel meio tangencial dentro da franquia The Voice), mas nos próprios competidores selecionados.
Diferente do que poderia ser esperado, a narrativa configurada pelo The Voice + (reitero aqui: narrativa que se concretiza exclusivamente em cima dos participantes) não se dá em torno de “vovôs fofinhos”, mas em torno de artistas consolidados, que ou nunca atingiram uma fama nacional, ou foram esquecidos pelo grande público (aqui, uma lista de todos os participantes selecionados).

Por isso mesmo, a história contada em The Voice + se torna emocionante e complexa, sem a necessidade de que se acrescente uma pieguice forçada. O que temos aqui é a vida dos “fracassados”, com muitas aspas aqui, ou seja, a vida de quase todos nós, os que não atingiram fama e fortuna e os que não são mais promessas em potencial. É comovente estar diante da apresentação de artistas como Tia Elza, cantando “Não deixe o samba morrer”, imortalizada na voz de Alcione, ou de intérpretes renomadas como Claudya, antiga estrela dos festivais, da turma de Elis Regina.
Isto posto, dá ainda para pontuar que The Voice + faz um importante serviço de resgate da memória de um país extremamente musical como o Brasil. Ao trazer à tona a centralidade da música na jornada das pessoas, a partir da história dos que “não chegaram lá”, dos que tiveram seu sonho adormecido (pela falta de oportunidade, pelas intempéries da vida, pela perda da fama), o programa ainda faz um importante comentário sobre a fugacidade do que se convenciona chamar de sucesso. Nós que aqui estamos por vós esperamos, parecem dizer esses “sessentões” aos que ambicionam viver da música.
Como comentei anteriormente, o forte da franquia The Voice não é a participação dos jurados – que são sempre meio inócuos nas apreciações, diferente de outros realities como Ídolos, que era transmitido pelo SBT, e Canta Comigo, atualmente na Record. Historicamente, programas de calouro têm como característica a presença de “jurados personagens”, que poderiam ser reduzidos a epítetos, como o mau humorado Pedro de Lara, a exuberante Elke Maravilha, o técnico Decio Piccinini e o aloprado Sergio Malandro (todos eles, jurados do clássico Show de Calouros, do SBT).
Em The Voice +, há dois jurados já conhecidos (Daniel e Claudia Leitte, que não trazem qualquer surpresa) e duas boas novidades, Mumuzinho e Ludmilla, que pontuam alguma diversidade a um júri engessado. Mas, como já assinalado por outros jornalistas, faz falta justamente um frescor que seria trazido por nomes mais ajustados à atração, com cantores idosos, como a própria Alcione. Assim, a homenagem se estenderia também a esses nomes da música, nem sempre lembrados pelo público.
De todo modo, esse defeito não estraga o prazer que é estar diante de um reality show comovente sem ser piegas, e que consegue trazer algum acalento às tardes meio sem graça de domingo na TV brasileira.