Quando a série da Showtime Yellowjackets foi lançada, em 2021, houve uma grande expectativa em torno da história sobre meninas que ficaram presas em um lugar inóspito e tiveram que fazer coisas horríveis para sobreviver. O mais terrível, desde o início, foi a sugestão de canibalismo: a ideia de que os membros do grupo tiveram que comer uns aos outros para não morrer de fome.
Pois bem, a primeira temporada foi atravessada inteira em um clima de mistério. Passeando entre passado (as adolescentes) e presentes (elas já na casa dos 40 anos), Yellowjackets foi construída em cima da tensão sobre quais traumas foram desencadeados naquele espaço para que essas mulheres terminassem tão “estragadas”. Mas pouco foi revelado no primeiro ano da série.
Em 2023, a segunda temporada começa a nos entregar os horrores que foram prometidos. E é claro que o canibalismo está no cardápio. Mas não apenas isso: embora não seja tão forte quando a temporada 1, aqui temos relances de profundidade que explicam as psiques das personagens com as quais nos apegamos tanto.
‘Yellowjackets’ e o caminho para a loucura
É engraçado definir Yellowjackets como uma série capaz de gerar afeto, pois não há nada de confortável nela. Mas o termo cabe aqui no sentido de que a atração consegue gerar um apego às personagens, pois mais que elas sejam todas cheias de problemas.
Na falta de utilidade para o conhecimento lógico, a espiritualidade se torna uma das muletas possíveis para que o grupo sobreviva.
O elenco principal – composto por Shauna (Sophie Nélisse/ Melanie Lynskey), Natalie (Sophie Thatcher/ Juliette Lewis), Taissa (Jasmin Savoy Brown/ Tawny Cypress) e Misty (Sammi Hanratty/ Christina Ricci) – ganha reforço, com o retorno à história, na idade adulta, de duas personagens importantes: Van (Lauren Ambrose, sempre lembrada como a Claire de Six Feet Under) e Lottie (Simone Kessell).
Esta última, sobretudo, tem um papel central na trama que é desenrolada na segunda temporada. Isto porque Lottie (Courtney Eaton na versão adolescente) é, de alguma forma, a mola propulsora de todos os acontecimentos sombrios que começam a ocorrer. Quando o avião cai no local deserto (que, até o momento, não se sabe bem onde é), é Lottie que acaba se tornando uma espécie de bússola mística para todos.
Na falta de utilidade para o conhecimento lógico, a espiritualidade se torna uma das muletas possíveis para que o grupo sobreviva. Lottie, então, começa a manifestar uma consciência sobre o que a floresta (the wilderness) quer dessas pessoas.
Supostamente, há um poder natural (um monstro sem olhos? Um espírito?) que está pedindo coisas para poder existir: um sacrifício ou outro, ao que elas concluem, dando margem às cenas mais aterrorizantes que já foram exibidas. Mas a grande questão é: Lottie tem razão ou este é apenas um devaneio de uma pessoa com problemas mentais?
São estas questões que vão sendo desenvolvidas na nova temporada – muitas vezes, com resultados irregulares. A Lottie adulta passou de pessoa internada em clínica psiquiátrica a uma líder religiosa que comanda uma comunidade terapêutica de muito sucesso. Embora pareça pouco crível, o novo cenário é usado para juntar novamente o grupo de amigas (e é incrível como todos os deslocamentos de carro que elas fazem ocorrem em poucos segundos, como se os Estados Unidos fosse um país minúsculo).
Mas outro ponto positivo do destaque dado a Lottie é que ela impulsiona a ideia do “selvagem” como um personagem próprio, e que vai tomando cada vez mais espaço nesta nova temporada. E o mistério acerca do que seria “isso” ainda parece longe de ser resolvido.
Novas tramas
Outros indivíduos também foram enriquecidos nessa temporada 2 (a proposta do canal Showtime é levar a série até a quinta temporada), como a família de Shauna. Ela mesma, aliás, tem elementos a mais em sua história (como o desdobramento triste de sua gravidez). Mas a filha rebelde Callie (Sarah Desjardins) e o marido chantagista Jeff (Warren Kole) sofrem viradas interessantes na trama.
Por fim, a perturbadora Misty (talvez a melhor personagem de Yellowjackets) ganha mais nuances sobre a sua suposta loucura, que a torna a pessoa mais indesejada (com razão, muitos diriam) deste grupo maldito. Ela é defendida com dignidade por duas atrizes excelentes que conseguem nos fazer sentir raiva e pena dessa menina absurdamente desencaixada.
Ainda que a nova temporada tenha ficado aquém da primeira (há enredos que parecem meio remendados ou esquecidos pelo caminho, como a família e a carreira política de Taissa), Yellowjackets continua sendo uma boa diversão – especialmente para quem leva no peito um coração saudoso do clima grunge dos anos 90.
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