A coluna que estreia hoje trata da cultura marginal, o que soa bem redundante.
O Brasil é marginal do mundo.
Temos um Índice de Desenvolvimento Humano de 0,755 e estamos na 75ª posição dos 188 que compõe o ranking global da ONU.
Dentro desse país marginal, a arte é um aspecto marginal.
De acordo com a Pesquisa Nacional sobre Hábitos Culturais (Fecomércio-RJ/Ipsons) esses costumes não fazem parte da vida de 47% dos Brasileiros.
Enquanto você lê esse texto, aqui em Curitiba, uma cidade marginal ao eixo Rio-São Paulo, mas que se orgulha por [insira aqui o seu clichê preferido], conta com 29.839 pessoas que não sabem ler nem escrever. Ainda assim, daqueles que o sabem, 33% dizem não ler nenhum livro ao ano, período de 12 meses em que 31% da população usa para ler apenas 2 livros (Hábito de Leitura 2014 – Brain/Gazeta do Povo).
Sejamos ponderados: comida é muito mais importante do que um livro, o cinema, o teatro, a exposição ou o espetáculo de dança.
Por outro lado, não é a falta de dinheiro que produz a nossa falta de erudição.
O problema é…
ADIVINHE!
Sim.
Cultural!
Na pesquisa da Fecomércio a falta de hábito é a justificativa mais apontada para não realizar nenhuma atividade. Além disso, os eventos gratuitos acontecem toda semana e por toda parte.
O que impede alguém de ir à uma biblioteca gratuita e ler Shakespeare, Leminski ou uma história em quadrinhos?
Leminski, aliás, pode ser usado para desdizer tudo que eu disse.
“Ah, mas Leminski vendeu mais de 36 mil cópias”.
A importância de falar do tipo de arte que me proponho está no fato de que, em muitos casos, somente ela é que irá chegar às pessoas que estão à margem, ou seja, a maioria.
Em um país com poucos leitores, onde “poesia e conto não vendem”, e vindo de uma cidade que se comporta como província, o que o bigodudo marginal fez foi uma feliz exceção. E é ela que confirma a regra. Se além dele, outros autores, de talento igual ou maior, tivessem o mesmo sucesso comercial, o bardo curitibano não seria caso raro.
Outro argumento que pode ser apontado é que somos “a elite intelectual”.
Mas que elite é essa que precisa tocar em bar fazendo cover? Que elite é essa que precisa fazer dupla jornada? Que elite é essa em que o incentivo precisa de lei?
Em um país onde os livros de religiosos e Youtubers estão na lista dos mais vendidos a arte está na segunda divisão. Mas, então, por que diabos essa coluna existe?
Por isso mesmo.
Uma experiência vivida pelo escritor Sérgio Vaz exemplifica o nosso propósito:
FUNDAÇÃO CASA
– Quem gosta de poesia?
-Ninguém senhor.
Aí recitei Negro drama dos Racionais.
– Senhor, isso é poesia?
-É.
-Então nóis gosta.— Sérgio Vaz (@poetasergiovaz) July 2, 2013
A importância de falar do tipo de arte que me proponho está no fato de que, em muitos casos, somente ela é que irá chegar às pessoas que estão à margem, ou seja, a maioria.
É o rap que vai falar por quem não tem voz. É o graffiti que vai fazer das ruas galerias. É o breaking que vai maravilhar quem não se contenta com a dança dos famosos. A identificação virá com a literatura que fala a língua da rua. É no teatro e no cinema feito por eles e para eles que haverá uma representação daqueles que não têm.
É sobre essa arte que iremos falar, mostrando o seu valor para os leitores de Shakespeare e levando um pouco de Shakespeare para os marginalizados, que somos todos.
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