Já era de se esperar que uma série de David Simon e George Pelecanos seria boa. Afinal, ambos são responsáveis pela excelente The Wire, por muitos considerada a melhor série da história. Depois de mostrar toda a corrupção e suas consequência em The Wire e focar nos moradores de Nova Orleans após o furacão Katrina em Treme (ótima!), Simon mergulha na indústria pornográfica dos Estados Unidos no anos 70, sempre com aquele olhar preciso e pessimista que apenas David Simon consegue ter. Ou seja, não espere uma série glamourizada, mas real.
Situada em Nova York na década de 1970, The Deuce narra os bastidores do pornô sob o ponto de vista da legalização da atividade e sua lucratividade. A proposta é acompanhar sua ascensão até meados da década de 1980, quando teve início a epidemia da Aids.
Em seus oito primeiros episódios, Simon e os roteiristas continuam levando a sério o que fizeram em The Wire: mostrar uma série de TV contada como se fosse um romance. Portanto, The Deuce é um tanto lenta para espectadores mais ansiosos e vai desenvolvendo sua trama de forma muito calma, com uma segurança que poucas vezes vemos na TV. E essa segurança não vem apenas por parte dos produtores, que sabem que estão fazendo uma boa série, mas também do público, que sabe que está sendo levado a assistir uma série narrativamente muito rica.
Não espere uma série glamourizada, mas real.
Seja no esmero da equipe técnica para mostrar uma Nova York corrupta, suja e um verdadeiro parque de prostituição (e que hoje é a Times Square como a conhecemos no nosso imaginário) ou na minuciosa pesquisa histórica que insere aqui e ali o contexto político da época, quando o presidente Nixon falava em bombas nucleares e perpetuava a guerra, The Deuce vai criando uma linha narrativa extremamente cuidadosa. Mesmo apresentando inúmeros personagens, a série consegue aprofundar cada um deles de maneira muito densa. Todos ganham complexidade, uma história de fundo e acabam sendo importante em algum momento da trama.
A série, claro, é forte, com cenas de sexo explícito e um esforço de Simon para tornar tudo o mais real possível. Nada é gratuito. As cenas refletem o abuso sexual em que a indústria pornográfica se firmou, o racismo nada velado dentro daquele sistema de escolha de mulheres, a divisão de classe e a educação como meio para pensar além e a liberdade sexual, que muitas vezes pode ser confundida com solidão.
As atuações são todas bastante inspiradas, nunca exagerando nos momentos mais dramáticos e nunca apresentando algum personagem apático. Mas a grande estrela da série atende pelo nome de Eileen ‘Candy’ Merrell. Interpretada por Maggie Gyllenhall, a personagem comove ao aparecer impressionante com um olhar triste, mas determinado.
Eileen é famosa por trabalhar sem cafetões, administrando seu corpo e seu dinheiro da forma que quiser. Ao mesmo, essa confiança é traída pelo seus olhos, que sempre relanceiam uma melancolia, um desespero, um pedido de socorro. É nela que a série encontra uma força poderosa e toda vez que a personagem está em cena sua trajetória se torna mais interessante e o público torce para que, mesmo naquela confusão de ideias, Eilleen encontre seu caminho.
O único porém talvez fique por James Franco, que se destaca ao interpretar dois personagens, irmãos gêmeos, que acabam se envolvendo na pornografia e alimentando a indústria mesmo sem querer. O ator está muito bem no papel, mas sempre quando é necessário interagir com o irmão gêmeo, a série assume um tom estranho, quase constrangedor, para colocar os dois no mesmo plano. Mas isso não prejudica em nada o impacto da série.
Sem julgar seus personagens nem por um segundo, The Deuce humaniza aquelas mulheres abusadas por diversos homens, ao mesmo tempo em que as coloca como uma força da natureza. Contando uma história em camadas, a série pretende refletir que a Nova York que hoje a conhecemos, saturada pela mídia e berço do escapismo, a muito se deve a uma era de pornografia e exploração que causou impactos sociais expressivos anos 70.
Dessa forma, The Deuce quer mostrar o passado para que pensemos nosso presente e o que nós estamos consumindo e perpetuando para a sociedade futura. Imperdível.