A nostalgia é um sentimento complicado. É muito fácil se render à comodidade do que nos é familiar, ou então simplesmente negar o novo por acreditar que o melhor já passou. Na dose certa ela pode, sim, trazer um tempero à arte. Caso contrário, se torna a maior aliada da mediocridade, dando gás a obras esquecíveis — na melhor das hipóteses.
Entre as várias esferas nas quais ela se manifesta, há uma que se destaca: o rock. O gênero que um dia tomou o mainstream de assalto e se transformou em sinônimo de criatividade e transgressão, hoje passa por um momento de ostracismo — perdendo seu posto para outros gêneros como o rap. Mas até que ponto isso é culpa dos artistas? Será que todas as barreiras da experimentação já foram rompidas, ou há uma resistência para o que é novo dentro dessa “cena”?
O gênero que um dia tomou o mainstream de assalto e se transformou em sinônimo de criatividade e transgressão, hoje passa por um momento de ostracismo.
Se compararmos a recepção do último lançamento dos novatos da Greta Van Fleet com o novo disco de Jack White, é possível ter algumas pistas. Desde o ano passado, quando lançaram seus dois primeiros trabalhos (os EPs Black Smoke Rising e From The Fires), a Greta tem chamado a atenção da mídia especializada e fãs de classic rock.
Os motivos são vários. Os integrantes do quarteto norte-americano mal saíram da adolescência (estão todos na faixa dos 20 anos) e resgatam com fidelidade a sonoridade das bandas setentistas, especialmente Led Zeppelin. Os riffs de guitarra bebem na fonte do blues e seguem estruturas muito parecidas com as dos arranjos de Jimmy Page — o baixo e bateria também seguem a mesma cartilha.
Mas o que mais chama a atenção é o vocal de Josh Kiska. O rapaz tem o mesmo timbre, inflexões e maneirismos de Robert Plant, o que por si só é impressionante. Mas mesmo que eles tenham competência na execução das canções em estúdio e ao vivo, no final das contas o grupo não deixa de ser uma versão diluída do Zeppelin, que beira ao plágio em vários momentos. Se Jimmy Page e companhia entraram para a história, é porque eles conseguiram criar algo único e novo. Não basta ter talento, técnica, é necessário criatividade. Isso que impulsiona a arte.
Em vídeos da Greta Van Fleet no YouTube, o que não falta são comentários animados sobre como finalmente surgiu um grupo para salvar o rock. É a eterna espera pela volta de um messias que nunca vem, de uma banda para unir todas as tribos — piadas à parte, claro. E mesmo que parte do público e mídia façam essas mesmas críticas, comercialmente falando a banda parece ter um futuro promissor, a julgar por 2018: apresentação no Coachella, turnês esgotadas até no Japão e por aí vai. É o triunfo da nostalgia.
Agora, o outro lado da moeda. Há pouco mais de uma semana, Jack White lançou seu aguardado terceiro disco solo, Boarding House Reach, e a recepção tem sido bem mista. Teve quem amou, teve quem odiou — o meio termo é raro nesse caso. Quem esperava a tradicional mistura de rock clássico, blues e folk que White vinha oferecendo desde os tempos do White Stripes, saiu decepcionado.
Os singles já apontavam que esse trabalho seria bem diferente, mas não davam a dimensão completa de como o disco soaria de cabo a rabo. E olha, é uma bela de uma bagunça. Um grande pastiche de referências e texturas advindas do rock, funk, blues, rap, música eletrônica e experimental. Tanto que é difícil de digerir isso tudo de uma vez só.
Mas agora, sem levar em conta gostos pessoais, o que ninguém pode negar é que esse disco soa como algo diferente. Ele é tão divisivo justamente por ser algo inesperado, algo novo. Jack White atua aqui como um iconoclasta de si mesmo, de tudo que ele representava, e do próprio rock como gênero musical. E mesmo assim, o groove ainda está lá, a atitude ainda está lá, a essência do que tornou o rock algo interessante em primeiro lugar, está lá. Mas, como toda novidade, o disco tem gerado essa estranheza, essa resistência. Algo bem comum dentro da “cena”.
Nessas horas é necessário lembrar que os gigantes dos anos 60 e 70 só atingiram o status de clássico porque houve uma abertura do público. Os tempos são outros. Não dá para viver na espera de um outro Led Zeppelin ou Pink Floyd. É difícil dizer até se há espaço para bandas desse calibre hoje em dia.
A questão é que já tem uma infinidade de artistas produzindo coisas interessantes, criativas e, acima de tudo, realmente novas dentro desse gênero. Então, se há um interesse por parte dos fãs que o rock volte a ser relevante, ou pelo menos mantenha um pouco do seu encanto, é necessário se livrar de alguns preconceitos e abrir bem os ouvidos. Caso contrário, o gênero continuará caminhando a passos largos para se tornar um museu, fadado eternamente a repetição.