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Home Crônicas Yuri Al'Hanati

Monólogo do Cavalo Babão

porYuri Al'Hanati
25 de junho de 2018
em Yuri Al'Hanati
A A
"Monólogo do Cavalo Babão", crônica de Yuri Al'Hanati.

Imagem: Reprodução.

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Não é sempre que posso falar, e quando posso, não é sempre que quero. Não sou muito assim com as palavras, pra dizer a verdade. Talvez por ser uma estátua de bronze, ou por ser uma estátua de bronze de um cavalo, ou por ser uma estátua de bronze de um cavalo que presta memória aos tropeiros, esse povo taciturno quando trabalha, ainda que barulhento quando festeja. Mas, seja o alívio de estar momentaneamente sem água jorrando da minha boca, ou essa lua que bota a gente comovido como o diabo, fato é que deu vontade de bater um papo.

Sabe, ao contrário do que possam pensar, não me incomodo nem um pouco com o apelido que me deram. Se eu tenho cara de Cavalo Babão, não faz mesmo muito sentido me chamar pelo nome de batismo, Fonte da Memória. Só posso ter compaixão com as Marianas com cara de Gabriela e com os Augustos com cara de Rafael, os quais vejo todos os dias sentado às minhas muretas, e cujos amigos não têm liberdades maiores além de abreviar suas alcunhas para insípidos Maris e Gutos. A minha realidade é transformada quase tão rapidamente quanto a moda.

Sabe, ao contrário do que possam pensar, não me incomodo nem um pouco com o apelido que me deram. Se eu tenho cara de Cavalo Babão, não faz mesmo muito sentido me chamar pelo nome de batismo, Fonte da Memória.

Em 16 anos de existência sólida, acho que vi todo tipo de raças e tribos passando ao largo, ou pelo largo (da Ordem). Ricos e pobres, negros e brancos, góticos e mauricinhos, punks e skinheads vêm e vão todo dia e toda a noite. Muda-se a cena, mudam-se os gostos, muda-se a moda. De fixo na vista, só mesmo a Igreja Presbiteriana de um lado, a Igreja do Rosário de outro e o enorme corredor boêmio à minha frente, que só arrefece para dar lugar à inevitável feirinha de domingo.

Observar sempre a mesma paisagem não enlouquece, mas aguça a sensibilidade, na minha opinião — fui criado assim, sou filho de artista, afinal. Por isso, pouco me importa ouvir que ao fundo um homem grita e um carro acelera, ou que em algum lugar do centro da cidade um elevador vazio abre e depois se fecha, toda a dança cósmica de massas carregadas e polarizadas é indiferente se não a vejo. Cavalos como eu não se importam.

E se é verdade o que dizem, que apenas sob os efeitos do álcool é possível conhecer alguém, então eu conheço todo mundo. Só um insensível e desalmado pode achar que bêbado é tudo igual. Quem não crê no In vino veritas não viu românticos trovadores esmurrarem seus violões e esganiçarem a voz até sair apenas um guincho silvado de suas gargantas; não viu brigas explodirem quando os abraços rarearam; não viu o brilho de um olhar que, de repente, se descobre novamente infantil, a perceber detalhes que até então haviam sido desprezados; não viu os passos rápidos e cambaleantes de quem tem urgência em soltar os bofes pela boca às águas do meu entorno, interpelando-me por cumplicidade; não viu forte virar fraco, o fraco virar forte; não viu o melhor e o pior da emoção humana, não viu o que eu vejo todas as noites.

Por isso, não acuse presunção de minha parte quando digo que não se pode conhecer o Centro Histórico de Curitiba como eu conheço. Aliás, se o Centro tem história, gostaria de pensar que faço um pouco parte dela. Um ponto pequeno, inaudível para quem está na Galáxia de Ganimedes ou para quem nunca deixa as cercanias do Batel. Mas quem vem para cá, comprar na feira, viver a noite e morrer de amor, pode contar, caso não encontre mais nada nessa gélida cidade, com a compaixão e a companhia de um velho cavalo babão.

Tags: boemiacavalo babãoCrônicaCuritibaestátua de cavalofonte da memóriaLargo da Ordemmonólogovida noturna

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