Escrever sobre o trabalho do rapper paulistano Edgar exige, antes de tudo, o esclarecimento de que qualquer definição que venha a ser feita não dá conta da totalidade do trabalho do artista. Aos 25 anos, Edgar faz rap, mas não só. O seu projeto é também espaço fértil para a experimentação, para a poesia, para o audiovisual e mais uma série de linguagens que compõe um dos trabalhos, talvez, mais inovadores da atual cena brasileira.
O músico ganhou popularidade recentemente ao participar da faixa “Exu nas Escolas”, que integra o mais recente disco da cantora Elza Soares, o excelente Deus É Mulher. Sua carreira, entretanto, já coleciona uma série de lançamentos anteriores. Em 2013, lançou o álbum Progeria Atípica, com oito faixas. Em 2015, veio Paralelo 22s, composto por 16 canções. No ano passado, lançou as sete músicas que integram Protetora dos bêbados e mal amados. São discos que vão, cronologicamente, do rap mais cru em direção a uma maior experimentação, que ganha um novo capítulo agora, em 2018, com recém-lançado o disco Ultrassom.
Saindo fora das temáticas tradicionais do rap nacional, mas não menos combativo, Edgar canta sobre um mundo que nos faz questionar os limites entre a distopia e a realidade.
Com produção musical de Pupillo, baterista da Nação Zumbi, Ultrassom é um trabalho que exige uma postura ativa e aberta do ouvinte. Neste “rap experimental”, as rimas são poesias lançadas entre batidas eletrônicas e sintetizadores. É um trabalho múltiplo em linguagens e referências, assim como em inspirações, que vão da vida paulista à cultura nordestina. “Tudo que tem no Brasil eu carrego na minha música e me influencia. É o pisar, o andar torto e com pressa do paulista; é a fala mole do baiano; o axé do pernambucano; todas essas características misturas e os odores mixados formam a minha música e a constroem essa paisagem sonora”, contou. O resultado é um álbum que não segue fórmulas prontas e que tem muito a dizer em suas dez faixas, o que pode fazer com que o caminho a ser percorrido por vezes exija retornos.
Saindo fora das temáticas tradicionais do rap nacional, mas não menos combativo, Edgar canta sobre um mundo que nos faz questionar os limites entre a distopia e a realidade. Entre suas temáticas principais, e sobre as quais orbitam quase todas as canções do disco, estão a presença quase onipresente da tecnologia, bem como seu uso abusivo, guerras e poluição ambiental. Destaque para as faixas “Antes que as libélulas entrem em extinção” (que conta com a participação da cantora Céu), “Plástico”, “O Amor Está Preso?” e “Liquida”, todas cheias de potência para gerar desconforto e reflexão, além de serem repletas de peso lírico.
A habilidade de Edgar com as palavras, por sinal, é um elemento que merece ser destacado. Como ele mesmo já explicou em entrevistas, seu trabalho é composto por letras que poderiam ser poemas ou por poemas que poderiam ser peças ou apenas por frases sem sentido. Tudo depende do quão fundo estamos dispostos estamos a entrar. “Quando estava na quarta série, eu fui fazer uma prova na escola cujo tema era ‘carta’. Eu terminei o texto e fui um dos únicos alunos que conseguiu nota na máxima na redação. A partir daí, vi que meus textos poderiam ter algum potencial. Eu sempre escrevia minhas coisas e guardava, com ou sem rima. Mais tarde, em 2017, quando vi uma peça de teatro, percebi que o que eu escrevia poderia ser tanto música, quanto performance, quanto algo para uma pessoa louca no metrô gritar. Aí falei: ‘Epa, bora gritar’”, relembra.
Esses “gritos” reunidos em Ultrassom revelam em vários níveis um discurso bastante atual, que não se omite sobre questões do nosso tempo. Nesta costura que sinaliza o caminho para onde nos direcionamos (ou talvez já estejamos), há desconforto, mas, sobretudo, um convite à reflexão sobre o que somos e o que fazemos no agora. Nada fica como estava após a escuta. É certamente um trabalho com potencial para deixar sua marca entre os lançamentos deste ano e em cada um de nós também.
NO RADAR | Edgar
Onde: Guarulhos, SP.
Quando: 2013
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