O Iron Maiden é uma das bandas de heavy metal mais famosas do mundo. Sua influência e popularidade rivaliza com o Metallica. Com 40 anos de atividade, foi parte fundamental da New Wave of British Heavy Metal e influenciou um sem número de outras bandas que vieram depois deles. Embora não tenham grande número de fãs nos Estados Unidos, são reverenciados na América do Sul há 30 anos.
Mas outras bandas surgiram ao longo desse tempo, muitas muito mais pesadas que o Maiden, ao mesmo tempo em que o rock e o metal tiveram sua popularidade esmagada por um mainstream cada vez mais pop, eletrônico e hip hop (lembre que o primeiro dia a esgotar da edição 2015 do Rock In Rio foi o de Katy Perry. O último foi o dia do Slipknot). Nesse contexto, o que significa o lançamento de The Book of Souls, o novo disco da Donzela de Ferro, cinco anos após o último de inéditas, The Final Frontier (2010)?
Primeiro, o sexteto inglês não está atrás de resgatar a relevância do metal ou do hard rock no mundo. Isso está muito além das capacidades da banda. Os tempos áureos do grupo já vão longe e muitos fãs só reconhecem a qualidade de seus álbuns de 1993 para trás. Segundo, a banda lançou sim bons discos de 2000 para cá, conseguindo dar uma atualizada no som e ainda por cima encontrar ideias mais pretensiosas para suas músicas. E The Book of Souls é a feliz culminância do ontem e do hoje do Iron Maiden, o disco que melhor une o vigor do auge e várias similitudes com Seventh Son of a Seventh Son (1988) com um senso artístico mais desenvolvido a partir de Brave New World (2000).
“Speed of Light”, “When The River Runs Deep”, “Death or Glory” e “Tears of a Clown” (homenagem ao ator Robin Williams, que se suicidou em 2014) são as músicas mais rápidas do novo disco, todas com a mesma pegada que já ouvimos em “2 Minutes to Midnight”, “Can I Play With Madness” e “Holy Smoke”. Mas os riffs e a arquitetura da canção estão mais desenvolvidas. Steve Harris, Adrian Smith, Nicko McBrain, Dave Murray e Janick Gers, afinal, mantiveram o mesmo senso de melodia que sempre foi marca da Donzela, mas se tornaram músicos tecnicamente mais capazes.
The Book of Souls é um desses discos de volta que superam a doença e unem seus músicos.
E o que não falta a The Book of Souls são composições cheias de mudanças de ritmo, andamento, viradas harmônicas e às vezes vários diferentes riffs ao longo de uma mesma canção. “If Eternity Should Fail”, que abre o trabalho, foi composta por Bruce Dickinson originalmente para um possível álbum solo. O resultado é uma baita faixa de abertura com cavalgadas de baixo, bom refrão e bons solos. Já “The Red and the Black” nunca abandona o 4/4, mas propõe tantas partes ao longo de seus 13 minutos que podemos ver que ideias não faltam ao sexteto. Possivelmente, a melhor faixa do disco.
“The Book of Souls” se apoia em clima e dinâmica para construir outra das grandes músicas do trabalho. Com “Shadows of the Valley” e “The Man of Sorrows” mostram que se não voltam aos belos arranjos de Seventh Son of a Seventh Son, pelo menos resgatam a mesma pegada que unia na mesma partitura atmosfera e poder de fogo.
E fechando o álbum temos “Empire of the Clouds” uma composição que tomou muito tempo de Bruce Dickinson – e também toma do ouvinte, pois dura 18 minutos e é a faixa mais longa do catálogo da banda. Não é a melhor música do disco, mas é pretensiosa o bastante para atestar que essa banda ainda está aberta a novas ideias e novas formas musicais – uma abertura que a maioria dos fãs não está a fim de aceitar, aliás. O piano que ouvimos foi executado pelo próprio vocalista.
The Book of Souls é um desses discos de volta (embora o Iron nunca tenha se separado) que superam a doença e unem seus músicos. Bruce Dickinson foi diagnosticado com câncer na boca e venceu o problema de saúde. Ouvindo-o cantar nas 11 faixas do álbum nem dá para lembrar que ele pôde ter tido uma doença dessas. Além disso, o grupo se reuniu em um estúdio em Paris e gravou grande parte das faixas todos juntos, tocando ao vivo, só deixando para encaixar solos e alguns detalhes separadamente. Isso trouxe uma nova dinâmica, e é perceptível como The Book of Souls soa mais orgânico do que todos os seus últimos trabalhos.
https://www.youtube.com/watch?v=wJzCV3dkf_A
Podemos lembrar de 13, o último álbum do Black Sabbath que reuniu Ozzy Osbourne, Gezzer Butler e Tony Iommi depois de anos sem gravar juntos. Superaram o câncer de Iommi e entregaram um álbum que era pesado, gótico, entupido de bons riffs e que não revolucionava nada no som do Sabbath, porém mostrava como a identidade da banda era forte e ainda produzia canções excelentes que não deixam nada a dever para os clássicos do passado. O mesmo ocorre com o Iron Maiden agora. É o mesmo combustível, mas ele ainda está queimando. E produzindo calor.
The Book of Souls não tem o poder de mudar nada no rock e no metal atual. É quase certo que não é este álbum que vai inspirar jovens músicos a montar uma nova banda de metal na garagem de casa, também, como ocorreu com The Number of the Beast e Powerslave. Vai render uma lucrativa turnê mundial, com certeza. Qual é a relevância do Iron Maiden além de entreter então? Ora, ser fiel a sua identidade e entreter multidões de seres humanos em estádios por 40 anos é uma prova de relevância que poucos grupos musicais podem se orgulhar de ter conseguido. The Book of Souls reafirma tudo isso.