Soaria interessante uma exposição acerca da cartografia dos séculos XVI, XVII e XVIII, de quando os navegadores descobriam novos mundos e delimitavam territórios e culturas. No entanto, o núcleo de cartografia da Coleção Santander Brasil, responsável por 71 mapas originais e raros, quis ir além disso: por que não propor reflexões sobre fluxos territoriais por meio da arte contemporânea? Afinal, o mapeamento de espaços não deve se limitar apenas a nações, podendo ter representações muito mais abstratas de deslocamentos e fronteiras.
A mostra A Vastidão dos Mapas, um diálogo entre o contemporâneo e o antigo, parece surgir da vontade de sair do “mais do mesmo”. Com curadoria incrível de Agnaldo Faria, a exposição une artistas contemporâneos que desafiam o conceito tradicional de mapas e coordenadas: as obras diferem entre colagens, pinturas, fotografias, quadros tridimensionais e até mesmo tatuagens e incisões. E, claro, uma preciosa e bem conversada coleção de mapas de séculos passados.
Nenhum dos artistas presentes na exposição poderia um dia especular estar ao lado de renomados cartógrafos europeus, expostos em diversos atlas e livros de exploradores. Se tal combinação lhe soar inadequada, sugiro uma ida ao MON para provar o contrário.
Assim como os mapas antigos orientavam os estudiosos e as grandes navegações, a definição de nossas próprias coordenadas pode nos levar a ensaios sobre nós mesmos.
A gama de obras presentes abre olhos e ouvidos, fazendo perceber que os limites dos nossos corpos, da nossa casa, o percurso que fazemos até o trabalho ou a faculdade também são coordenadas, e não devemos ignorá-las.
“Cartografia aos 27 anos”, do artista Rafael Assef, mostra de maneira agressiva o que A Vastidão dos Mapas pretende passar. Localizada logo ao início da exposição, apresenta uma linguagem bastante contemporânea, onde Assef, por meio de uma tatuagem, utiliza sua própria perna como objeto cartográfico. A partir de incisões na pele, ele projeta seus próprios percursos com feridas e cicatrizes.
O conceito proposto pela exposição se mostra ainda mais versátil quando botamos o trabalho íntimo de Assef ao lado de obras como “Israel e Sarajevo”, da série Body Builders, de Alex Flemming. O artista critica de maneira rebelde as disputas e guerras territoriais mundo afora, projetando-as em fotografias de corpos jovens e esbeltos, como uma crítica à anatomia política e geográfica.
Do trabalho lúdico de Nelson Leirner e Marcelo Brodsky à irreverência de Alex Flemming e Rafael Assef, refletimos sobre nossas fronteiras pessoais. Assim como os mapas antigos orientavam os estudiosos e as grandes navegações, a definição de nossas próprias coordenadas pode nos levar a ensaios sobre nós mesmos. A cartografia se prova, aqui, tanto científica quanto empírica, tanto histórica quanto contemporânea. A Vastidão dos Mapas discute a infinitude de nossas fronteiras terrestres e corporais, e merece sua visita e reflexão.
SERVIÇO | ‘A Vastidão dos Mapas – Arte contemporânea em diálogo com mapas da Coleção Santander Brasil’
Onde: Museu Oscar Niemeyer | R. Mal. Hermes, 999 – Centro Cívico;
Quando: De 31 de maio a 6 de agosto, terça a domingo, das 10h às 18h;
Quanto: R$ 16,00 (inteira) e R$ 8,00 (meia-entrada) | Quartas com entrada franca. Primeira quinta do mês, horário estendido até às 20h, com entrada gratuita após as 18h. Maiores de 60 e menores de 12 anos têm entrada franca.
Mais informações: MON – site oficial
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