Se Picasso pudesse levantar do túmulo por apenas um dia e observar o legado de seu trabalho na arte e na história, creio que a constatação de que, de fato, é o pintor mais importante do século XX ainda não seria o suficiente para seu ego.
Tão megalomaníacos quanto o falecido pintor espanhol (1881-1973) são os compradores de suas obras – quantias surreais de dólares são gastas em quadros que são, realmente, artefatos da história da arte moderna.
No entanto, diante de um mundo progressivamente em colapso, a grandeza desses números nos faz questionar o porquê e para o quê estas compras estão sendo destinadas. Em sua grande parte, não tão surpreendentemente assim, estas vão para coleções individuais, bem longe dos olhos do público.
A arte, que em seu âmago deveria seguir um teor libertador e democrático – ou seja, deveria ao menos ser acessível ao público -, acaba, mais uma vez, nas mãos apenas daqueles que podem.
A arte, que em seu âmago deveria seguir um teor libertador e democrático – ou seja, deveria ao menos ser acessível ao público -, acaba, mais uma vez, nas mãos apenas daqueles que podem. E, pior, daqueles que podem muito mais do que possamos imaginar.
Picasso segue no Top 10 das obras mais caras do mundo, atualmente na oitava posição, com o belíssimo quadro “Les Femmes d’Alger” (1953), vendido em 2015 pelo simplório valor de 179 milhões de dólares.
Já em 2018, as mais renomadas casas de leilões de arte (Christie’s, Sotheby’s e Philipps) são as responsáveis pela nova leva de valores exorbitantes em troca do cubismo revolucionário de Picasso: em menos de quatro meses, mais de 220 milhões de dólares foram arrebatados na venda de diferentes obras do pintor, desde rascunhos até quadros propriamente ditos. Quão longe esse valor pode chegar? Especialistas indicam que, apenas em 2018, pode alcançar a cifra de um bilhão de dólares.
Podemos chamar de investimento, visto os preços exorbitantes que essas obras alcançarão nos próximos 50 anos. Ainda assim, ter a quantia de dinheiro disponível para tamanha transação nos dias de hoje beira o inconcebível. O mercado de arte indica uma Picassomania crescente para este ano, com a entrada de novas obras no jogo de poder das casas de leilão e da supervalorização de quadros já bastante valorizados.
Um artista do nível de Picasso de fato merece chegar ao ápice de sua profissão, deixando para trás seu nome, o peso de sua influência e legado na história. Porém, esse sucesso, que deveria nos atingir de maneira catalisadora e transformadora, acaba tomado por um viés absolutamente elitista, voltado para o poder econômico, obstruindo o alcance de suas obras a novos públicos – e em um mundo que cada vez menos crê na potência da arte moderna, entramos em campos perigosos.
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