“No fim das contas, nós contamos histórias. Somos contadores de histórias e nosso trabalho é entreter. Mas quando se tem um material como este que trata de um problema, você leva a sério e espera que o debate comece e continue.”
Esta é a declaração de Tom McCarthy, produtor executivo da nova série original da Netflix, 13 Reasons Why, que vem chamando bastante atenção desde sua estreia graças ao tema delicado. Baseada no best seller homônimo de Jay Asher, a história acompanha Clay Jensen (Dylan Minnette) que, ao voltar da escola, encontra uma caixa misteriosa com seu nome na porta de casa. Dentro dela, ele encontra fitas cassetes gravadas por Hannah Baker (Katherine Langford), sua colega de classe que cometeu suicídio duas semanas antes. Nas fitas, Hannah explica as 13 razões que a levaram à decisão de acabar com a própria vida.
O discurso se torna muito mais forte do que a própria série.
A razão para o sucesso de 13 Reasons Why pode ser entendida por meio de duas análises e a frase de Tom McCarthy exemplifica isso muito bem. A primeira, e a mais óbvia, é a indiscutível importância do tema para os adolescentes. Ainda que vivamos em uma época em que os meios para se falar sobre machismo e assédio sejam bem maiores do que há alguns anos, colocar em pauta suicídio e depressão entre os jovens ainda é um tabu que parece estar longe de ser quebrado. O bullying nas escolas, especialmente em colégios públicos, continua mais forte do que nunca, embora haja campanhas de conscientização que, sabemos, não são muito efetivas.
Dramas adolescentes, na visão dos adultos, ainda parecem ser tratados apenas como uma exagero, algo sem muito impacto. Todo mundo que sofreu bullying no ensino médio, entretanto, sabe da dificuldade e das lesões permanentes que ocorrem na personalidade futura de cada um. Para as meninas — e a série mostra isso de maneira magistral —a crueldade nas escolas pode ser ainda maior, já que garotas aprendem desde cedo o que é o machismo pelas mãos de meninos que praticam desde ainda mais cedo a opressão.
A segunda razão pela qual a série fez sucesso é a estrutura narrativa. Apostando em um formato muito parecido com tudo o que já vimos na televisão sobre o universo adolescente, a produção ganha a atenção de uma importante faixa-etária que consome streaming e se identifica com o que é visto na tela, especialmente adolescentes norte-americanos. Afinal, eles são o público-alvo. Por isso, 13 Reasons Why gera empatia desde o trailer, pois já vimos personagens parecidos em pelo menos umas 20 séries nos últimos anos.
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Antes de começar a falar propriamente sobre a série, é necessário entender que, sim, ela é importante. Aqui no Brasil, o impacto foi tão grande que os contatos por e-mail recebidos pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), associação que fornece apoio emocional e prevenção ao suicídio, dobrou. Desde sua estreia, 13 Reasons Why também motiva uma campanha anti-abuso nas redes sociais. Nela, usuários pedem o fim do bullying e do assédio com a tag #NãoSejaUmPorque. A série também faz um alerta àqueles que estão perto de pessoas que podem apresentar algum nível de depressão e o que elas devem fazer para ajudar. Somando tudo isso, quem vive com a depressão, já conheceu ou foi amigo de alguém que cometeu suicídio ou é amigo de alguém que sempre ameaça se matar, pode sentir um impacto muito maior, já que a série é capaz de acionar alguns gatilhos emocionais – os chamados trigger warnings – e que tanto podem potencializar a experiência quanto deixar a audiência abalada, algo interessante do ponto de vista dramático e ao mesmo tempo perigoso. Os episódios, pelo menos, trazem um alerta antes do início de cada capítulo.
Pois bem, deixando isto bem claro e entendendo que todo a intenção da série é importante e que a mensagem foi passada de maneira relativamente eficaz, podemos nos debruçar numa análise um pouco mais fria. 13 Reasons Why pode ser relevante como tema, mas a execução é surpreendentemente ruim.
Vejamos: a série não se decide se quer ser um drama sério ou um thriller nos moldes de Pretty Little Liars. Há uma tentativa de emular um pouco a ótima My So-Called Life, clássica série dos anos 1990, inclusive abrindo um episódio com praticamente o mesmo diálogo visto no episódio piloto da série estrelada por Claire Danes, mas sem a mesma eficiência. Tudo o que se espera dos personagens está lá — o jovem nerd, a menina maldosa, o gay maldoso porém descolado, o esquisito com manias estranhas, a jovem bondosa, mas nem tanto. Há um esforço para que estes personagens não soem maniqueístas, mas suas ações e personalidades mudam de um episódio para outro, algo bastante irritante e que acusa uma falta de cuidado extrema com os personagens e com o público.
Os adultos, obviamente, são pessoas lentas e nunca sabem de nada, surgindo, vez ou outra, para mostrar ao público que aqueles jovens enfrentam problemas em casa ou para inserir uma complicação na história, como o processo contra a escola e a tentativa de mostrar que Hannah era uma adolescente perturbada. A exceção fica por conta dos pais de Hannah, vividos por Kate Walsh e Brian d’Arcy James, que conseguem passar de maneira comovente o luto e remorso pela morte da filha.
Portanto, fãs de séries bem jovens vão se identificar com o misto de drama e mistério. Para outra parcela do público, entretanto, a lentidão com que a história é mostrada, as complicações puramente exageradas para aumentar o tempo na tela e as ações dos personagens podem provocar irritação. Se no livro (que não li), Clay ouve as fitas em uma noite enquanto visita os lugares indicados por Hannah nas gravações, a série expande e aumenta a história para criar 13 episódios com uma hora de duração, forçando o protagonista a ouvir as fitas de maneira inacreditavelmente devagar.
O roteiro ainda tenta justificar as ações de Clay, com personagens secundários comentando sobre a lentidão do menino ou até mesmo o próprio Clay dizendo que não consegue ouvir as fitas porque sofre com crises de pânico. Em determinado ponto o personagem chega a abandonar o projeto, apenas para que a narrativa ganhe mais tempo, o que vai deixando a série mais cansativa, além de apresentar um episódio absurdamente ruim. Além disso, Clay se torna um vingador, tentando expor todo mundo que fez mal à amiga, chegando a se vingar do bullying… praticando mais bullying. Ainda, Clay confronta outros personagens sem sequer ouvir sua própria fita e seu papel dentro daquela história. Embora funcione para que a história se desenvolva, isso não faz o menor sentido.
Outro grande problema é a ineficiência em apresentar a depressão de Hannah de maneira progressiva para o público. Nós entendemos os motivos pelos quais ela cometeu o suicídio quando pensamos no quadro geral, mas os episódios não conseguem mostrar a degradação da garota, o que deixa a série mais panfletária ainda.
Os três últimos episódios, entretanto, conseguem mostrar toda a força da série e como ela deveria ter sido desde o início. No desfecho, todos os personagens assumem posições muito mais condizentes com a realidade, o que evidencia que 13 Reasons poderia ter tomado mais cuidado para contar sua história sem tanta enrolação. Ao representar Hannah bem mais depressiva e realista, as ações da personagem vão fazendo sentido até sermos levados à difícil e impactante cena de seu suicídio, mostrada quase sem cortes, além da reação dos pais ao encontrá-la. A cena vem sendo bastante discutida nas mídias sociais e prefiro, aqui, me abster do que seria ético ou não dentro de uma série de TV, especialmente quando falamos em suicídio, mas narrativamente a cena funciona e, de fato, é bastante chocante.
Mas, afinal, 13 Reasons Why foi feita para criar um alerta. A forma como a história é contada pode não agradar a todos, mas como jamais devemos subestimar a importância do audiovisual e de um tema tão necessário, a produção já ganha milhares de ponto por fazer os jovens pedirem ajuda ou até mesmo identificar um problema. Do outro lado da moeda, há também uma imensa preocupação de psicólogos que afirmam que a série pode fazer justamente o contrário, ou seja, romantizar o tema e até mesmo incentivar jovens a cometer o suicídio. Dessa forma, para o bem ou para o mal, o discurso se tornou muito mais forte do que a própria série.
PS: Para quem se interessou, algumas outras produções tratam do mesmo tema de maneira um tanto mais impactante e responsável, como é o caso de My Mad Fat Diary, Veronica Mars, a segunda temporada de American Crime e a já citada My So-Called Life.