Depois do impacto visceral de Nada de Novo no Front, vencedor do Oscar de melhor filme internacional, o cineasta alemão Edward Berger realiza uma experiência cinematográfica totalmente distinta com Conclave, um filme que mistura habilmente entretenimento envolvente e reflexão sutil sobre a fé nas instituições.
Apesar de ambientado nos corredores austeros do Vaticano, o longa-metragem ecoa a dinâmica das disputas de poder, com intrigas políticas e negociações de bastidores que, em certo momento, são explicitamente comparadas a uma convenção política que define candidatos à presidência de países, como os Estados Unidos. Berger, no entanto, eleva a narrativa ao detalhar com riqueza e autenticidade o cruzamento entre o universo religioso e as manobras políticas, criando um equilíbrio fascinante entre ambos.
O filme, vencedor do Globo de Ouro de melhor roteiro, inicia com uma atmosfera de tensão: o cardeal Lawrence (um excepcional Ralph Fiennes), visivelmente abalado, caminha pelos corredores silenciosos até os aposentos do Papa para confirmar sua morte e dar início aos preparativos para a escolha de seu sucessor. Esse momento inicial estabelece o tom do filme — uma mistura de solenidade, ansiedade e mistério — e, rapidamente, as peças da narrativa começam a se encaixar.
O roteiro, escrito com precisão mecânica por Peter Straughan, adapta o romance de Robert Harris com maestria, apresentando personagens e situações como peças de dominó que se empilham meticulosamente, prontas para cair sob o peso de vaidades, conflitos internos e sorrisos cuidadosamente calculados. O resultado é um espetáculo absorvente, no qual batalhas de ego e tensões passivo-agressivas emergem de homens que se autodenominam guiados pela virtude.
‘Conclave’: Isabella Rossellini
Isabella Rossellini, como a enigmática Irmã Agnes, é o trunfo oculto de Conclave. Sua atuação é um estudo de sutileza: com expressões contidas e uma presença que transita entre a humildade e a autoridade, ela domina cenas inteiras com pequenos gestos, como uma simples reverência que carrega camadas de significado.
As atuações em Conclave são impecáveis, com cada personagem contribuindo para a densidade emocional e narrativa do filme. De um lado, uma facção de cardeais anglófonos, representando o domínio político ocidental, busca desesperadamente eleger um Papa progressista. Ralph Fiennes brilha como o cardeal Lawrence, um homem dividido entre a dúvida em sua fé e o dever de conduzir o conclave; Stanley Tucci, como o astuto cardeal Bellini, esconde uma inteligência estratégica por trás de uma fachada de humildade desarmante; e John Lithgow encarna o enigmático cardeal Tremblay, cuja cordialidade cuidadosa esconde segredos perturbadores.
Berger conduz essa narrativa com uma precisão notável, transformando Conclave em um thriller surpreendente e sofisticado.
Do outro lado, os oponentes dessa facção incluem o teatral cardeal Tedesco (Sergio Castellitto), um tradicionalista italiano deliciosamente caricatural, e o carismático cardeal Adeyemi (Lucian Msamati), um azarão nigeriano que encarna a complexidade do poder político e da moralidade pessoal. Adeyemi parece a escolha ideal para um Papa moderno, mas sua história é marcada por crenças controversas e erros do passado que lançam sombras sobre sua reputação.
Entre esses polos, encontram-se figuras que trazem complexidade adicional à narrativa. O bondoso cardeal Benitez (Carlos Diehz), um mexicano que passou anos em missão secreta no Afeganistão, luta para se adaptar ao novo cenário, enquanto a irmã Agnes, com sua postura firme e deveres conflitantes, rouba a cena. Rossellini transmite camadas de emoção com reações silenciosas enquanto observa as intrigas ao seu redor, equilibrando fragilidade e força em uma performance memorável.
Contornos claustrofóbicos
À medida que as conspirações se desenrolam, a trama ganha contornos claustrofóbicos. Confinados durante o conclave, os cardeais se movem em um cenário de interiores frios e austeros, praticamente desprovidos de cor, onde apenas os trajes vermelhos vibrantes se destacam. Essas vestes, que simbolizam tanto a paixão quanto a violência implícita nas disputas de poder, criam um contraste visual impressionante.
Berger conduz essa narrativa com uma precisão notável, transformando Conclave em um thriller surpreendente e sofisticado. É uma obra que combina reflexão e tensão, apresentando um estudo pungente sobre as batalhas internas das instituições e os dilemas de homens que se encontram em um ponto de ruptura entre suas ambições e crenças. O filme é, ao mesmo tempo, ferozmente cativante e deliciosamente inquietante, um espetáculo que permanece com o espectador muito depois dos créditos finais.
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