É possível tratar um prédio como o personagem principal de um filme? No caso de uma edificação icônica, tal como é o suntuoso Copan, a resposta é: sim. É isso, ao menos, que se sente ao assistir ao documentário Copan, de Carine Wallauer, que foi vencedor do festival É Tudo Verdade na competição brasileira de filmes em média e longa-metragem.
Cartão postal de São Paulo, o Copan é um dos símbolos da arquitetura moderna brasileira, e nasceu como uma das geniais concepções de Oscar Niemeyer. A representação icônica do prédio nem sempre possibilita notar que há escondido ali uma espécie de organismo vivo, que é habitado em suas entranhas por cerca de 5 mil pessoas que vivem e convivem nos 32 andares e 6 blocos do prédio.
Como seria natural em qualquer organização humana dessa magnitude, nas vísceras do Copan, pulsam vidas isoladas, mas fermenta-se também muita tensão. Carine, que residiu durante sete anos no local, pergunta-se sobre aquelas pessoas no momento em que é requisitada a deixar o seu apartamento (as condições para isso não são esclarecidas). Ela resolve, então, mostrar o prédio como uma grande fusão entre o externo (a beleza, a arquitetura) e as miudezas internas, limitadas por existências que não têm muito a ver umas com as outras.
A sacada mais interessante do filme é o timing: as filmagens foram feitas em 2022, ano em que o país reverberava uma tensão política crescente.
Sua câmera – que explora habilmente a direção de fotografia, entregando enquadramentos esteticamente belos, ainda que delongados em certos momentos – está sobretudo interessada em fazer recortes que mais exibem imagens do que ouvem personagens.
Vemos, por exemplo, os funcionários da limpeza em seu trabalho de Sísifo; um sujeito que toca violino; as conversas dos porteiros dentro das partes menos visíveis do Copan; as plaquinhas colocadas nas portas, que tentam criar uma identidade própria nessa espécie de colmeia humana. Mas a ideia não é necessariamente apresentar essas pessoas, no sentido de dar voz a elas (recurso tipicamente explorado por uma parte da tradição brasileira, como nos documentários de Eduardo Coutinho), e sim colocá-las como peças, quase todas cambiantes, que possibilitam que aquele grande organismo siga existindo.
Copan: retrato de uma Babel em São Paulo
A sacada mais interessante do filme é o timing: as filmagens foram feitas em 2022, ano em que o país reverberava uma tensão política crescente. Eram as vésperas das eleições mais complexas das últimas décadas. A cisão entre dois lados divorciados, por certo, também se repetia dentro de um aglomerado tão grande.
A icônica Babel paulistana também enfrentava a busca por estratégias para poder manter algum tipo de convivência minimamente saudável entre os habitantes. Não que o dissenso fosse novidade: um dos momentos mais nervosos de Copan é quando o filme acompanha, por meio de uma transmissão de Zoom, uma assembleia do condomínio, em que o mesmo síndico – no comando do prédio há quarenta anos – se reelege em meio a protestos, embora não haja outro candidato que rivalize com ele.
Em outros momentos, o longa nos mostra os opostos presentes ali: um homem de camiseta verde e amarela que passa pelos corredores gritando o nome de Bolsonaro, e três hipsters algo tristonhos que fazem campanha para Lula. Não há qualquer ponto de encontro entre eles, dando a entender que, mesmo que todos estejam dentro de um sonho de Niemeyer, não há comunidade possível.
Ainda que o ritmo lento possa incomodar alguns espectadores, Copan tem como trunfo fazer uma provocação ao pensar uma edificação como uma personagem que representa o Brasil.
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