Diretor da minissérie Para que Servem os Homens, projeto inspirado na obra de Fabrício Carpinejar, Eduardo Wannmacher chega ao circuito comercial com o drama Depois de Ser Cinza. No longa-metragem, o diretor flerta com o road movie e mergulha o público em uma jornada intensamente melancólica pelo interior da alma humana.
Depois de Ser Cinza parte da trajetória de três mulheres, cujas histórias, apesar de diferentes, se cruzam por terem se relacionado com Raul (João Campos). Raul é um jovem carregado de segredos e dissabores, que se expressam através de sua dor e vazio interior. Em uma pequena cidade da Croácia, seu caminho cruza com a misteriosa Isabel (papel de Elisa Volpatto), cuja vida também passou por percalços, transformando-a em uma mulher ao mesmo tempo agressiva e delicada. Deste encontro, Wannmacher partirá para apresentar o caminho do personagem de Campos, que ainda cruza com Suzy (Branca Messina) e Manuela (Sílvia Lourenço).
A dinâmica entre eles é explorada com habilidade. Todos são, de alguma forma, entrelaçados por sentimentos de abandono e solidão, bem como desejos intensos de fuga. O longa-metragem opta por uma montagem que privilegia as interações entre os personagens, sobrepondo-as à cronologia dos fatos. A escolha, no entanto, torna um pouco confusa a segunda metade do filme, exigindo do espectador atenção para concatenar os avanços e retrocessos no tempo.
Em Depois de Ser Cinza, o cineasta constrói as cenas para que o espectador seja capaz de se aprofundar nas emoções dos personagens.
Eduardo Wannmacher também escolhe uma abordagem bastante realista, deixando de lado sentimentalismos e clichês do melodrama. Em Depois de Ser Cinza, o cineasta constrói as cenas para que o espectador seja capaz de se aprofundar nas emoções dos personagens. Ajuda o resultado que a trilha sonora seja sutil, preferindo compor o ambiente representado em cena ao invés de induzir a audiência a emoções. Sob esta perspectiva, os planos abertos e a direção de fotografia minimalista atuam em favor de refletir os vazios e angústias dos protagonistas.
O elenco se aproveita de bons diálogos criados para brilhar, tornando as interações entre os personagens genuínas e envolventes. O roteiro de Leo Garcia apresenta personagens profundos, carregados de angústias existenciais e questões pessoais, ainda que seja inegável que as mulheres do filme estejam à mercê da elaboração da jornada de Raul, uma escolha arriscada. Todas elas se relacionam romanticamente com o personagem de Campos, emergindo tanto um olhar masculino fetichista quanto redutor, como se a existência delas só fizesse sentido no campo da satisfação masculina: são seu tormento, sua paz, sua salvação, suas conquistas.
É de se destacar, ainda, que Depois de Ser Cinza é construído sob um ponto de vista de pouca diversidade. Embora o filme explore as emoções e conflitos dos protagonistas com profundidade, falta à obra uma abordagem maior em termos de classes sociais, por exemplo, bem como mais atenção ao olhar feminino e à cor. Mesmo o personagem homossexual parece estar em tela de soslaio, como um acessório. É justamente quem se entrecruza entre todos os grupos apresentados no filme e o único sem nenhuma complexidade. O que faz retornar à crítica sobre o olhar fetichista masculina, posto que as cenas de beijos entre mulheres, sugerindo uma bissexualidade, são recorrentes no longa-metragem.
Tropeços narrativos à parte, a obra de Wannmacher é promissora por sua reflexão sobre dores e inquietações contemporâneas. Destaca-se por enveredar por uma abordagem realista e por seu bom domínio frente a um elenco talentoso.
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