Por volta de 411 antes de Cristo, Aristófanes escreveu a peça Lisístrata, na qual as mulheres fazem greve de sexo como forma de pressionar seus maridos a estabelecer a paz entre atenienses e espartanos. Em 2011, o diretor romeno radicado na França Radu Mihaileanu deu a sua versão para a comédia grega. O título? A Fonte das Mulheres. O resultado? Uma história belíssima na qual se debate, entre tantas coisas, a submissão das mulheres às regras tradicionais ditadas pelos homens, o uso de preceitos religiosos para justificar a busca de interesses particulares em detrimento da justiça social, o descaso do Estado com as demandas populares e até a influência da mídia na relação cidadão/aparato estatal. E tudo é apresentado com muita arte e apuro técnico.
Em um lugar qualquer, que pode ser tanto “uma pequena aldeia norte-africana ou árabe ou onde quer que uma fonte corra e o amor seque” (segundo nos informa poeticamente o letreiro logo no início do filme), as mulheres sofrem para buscar água em uma nascente. Várias foram as grávidas que, nessa tarefa, viram o sangue escorrer por entre suas pernas. Enquanto isso, aos homens restam as tarefas de beber, gargalhar e lançar conversa ao vento.
O filme debate, entre tantas coisas, a submissão das mulheres às regras tradicionais ditadas pelos homens, o uso de preceitos religiosos para justificar a busca de interesses particulares em detrimento da justiça social, o descaso do Estado com as demandas populares e até a influência da mídia na relação cidadão/aparato estatal.
Leila (Leila Bekhti), que pode ser considerada a “Lisístrata” de Mihaileanu, sugere uma “greve de amor” como estratégia para forçar a ala masculina da aldeia a colaborar mais com a população feminina. Obviamente, essa proposta de revolução cultural vem acompanhada de uma série de conflitos, que o filme sabe trabalhar com maestria.
Fotografia soberba, com enquadramentos e movimentos de câmera precisos. Montagem que concede dinamismo e boa fluência à história. Excelentes atores em atuações excelentes. Felizes inserções de coreografias embaladas com músicas árabes. Letras de melodias aparentemente nascidas do improviso das personagens, mas que, na verdade, estão profundamente engajadas ao contexto. É vasta a lista de qualidades da obra, uma obra que apresenta personagens centrais muito bem construídos para compor um retrato clássico de como revolucionários sofrem toda espécie de tentativa de silenciamento, coação, injustiça.
Merece destaque na trama a inserção do jornalista que, ao chegar na aldeia, traz consigo a esperança de dar visibilidade ao problema do povoado esquecido. Mas o que ele pretende é, ironicamente, o estudo de insetos. “Só me interessa o infinitamente pequeno”, declara. “Nossas vidas já não são pequenas o suficiente para despertar o seu interesse?”, rebate o professor do vilarejo, em um diálogo cheio de sentidos para o todo da história.
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