Fortunata (Jasmine Trinca) é uma autêntica sobrevivente. Cabeleireira, luta para abrir um salão. Enquanto não tem o dinheiro suficiente, atende de porta em porta. Há quem jogue na cara dela: “você não paga imposto!” A lista de dificuldades é complementada pelo fato de ela quase nunca poder levar a filha Barbara (Nicole Centanni) para acompanhá-la nos atendimentos. A limitação imposta por ela mesma busca evitar olhares e dizeres maldosos de clientes que não querem uma criança por perto. Isso causa tanto o transtorno de ter que buscar alguém para cuidar da filha quanto uma revolta na pequena Barbara, que vê nessa atitude uma espécie de rejeição da mãe.
Soma-se a isso a separação de Fortunata do pai de sua filha, Franco (Edoardo Pesce), um policial bastante machista e violento. Barbara acaba sendo encaminhada para terapia, onde conhece Patrizio (Stefano Accorsi), um psicólogo bastante equilibrado, profissional e humano. Tanto que já fez trabalho na África para ajudar pessoas que, simplesmente, mergulharam em transtornos psicológicos em razão da fome.
Não raras vezes, falar de cinema italiano é lembrar de uma estética barroca, pautada nos excessos e nos contrastes. Fortunata fortalece essa ideia.
Como fiel e grande amigo de Fortunata, o roteiro apresenta ao espectador o jovem Chicano (Alessandro Borghi). Ele precisa de medicamentos para garantir saúde mental, algo que a sua mãe já perdeu há muito tempo. Ela vive presa no universo da tragédia grega Antígona. Atriz na juventude, a mãe de Chicano está eternamente representando, como se estivesse para sempre na peça teatral.
É com base na relação entre todos esses personagens que se fundamenta o drama italiano Fortunata (2017), do diretor Sergio Castellitto. Da teia que se forma a partir do relacionamento de todos eles nasce uma trama bem realista, nada romântica. Ponto para o roteiro de Margaret Mazzantini. Inexiste qualquer idealização da vida, como fazem os românticos nas artes em geral. Prevalece o realismo, com seu enfoque bem construído e complexo dos personagens, que têm qualidades, mas, também, muitos defeitos.
Todos os personagens, portanto, estão distantes de serem catalogados como unidimensionais, com características claras de bem e mal, bondade e maldade. Talvez Franco seja o único carente de aspectos melhor trabalhados, com seu estereótipo do machão violento que escolheu ser policial para dar vazão à sua testosterona acumulada, enquanto trata a ex-mulher ainda como esposa e, mais do que isso, como “esposa-objeto”. Mas mesmo essa unidimensionalidade dá peso ao personagem: afinal, trata-se de um pobre de alma.
É verdade, é preciso reconhecer: alguns momentos do filme desandam para o dramalhão. Seriam um reflexo do comportamento emocional intenso dos italianos (e dos latinos em geral)? Ou uma espécie de homenagem tragicômica a esse modo de agir? O fato é que em certas situações alguns personagens falam alto, vão às lágrimas, brigam, enraivecem, revoltam-se, perdem o controle quando menos se espera. Ou nem tanto assim.
Não raras vezes, falar de cinema italiano é lembrar de uma estética barroca, pautada nos excessos e nos contrastes. Fortunata fortalece essa ideia. Não sem antes fazer o espectador lembrar, quase a todo o instante, da extrema ironia do nome da personagem-título, um nome que remete a alguém cheio de sorte. Em seu conjunto, este drama pode ser considerado uma das melhores produções do cinema italiano recente.
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