Era 1970. Um dos concursos de beleza mais famosos do planeta, o Miss Mundo, foi interrompido por um protesto organizado por feministas indignadas com a realização de um evento que reforçava a valorização da mulher única e exclusivamente por seus atributos físicos.
Enquanto acontecia a transmissão ao vivo da competição para todo o planeta, no Royal Albert Hall, em Londres, gritos indignados e chocalhos tomaram o lugar da fala do apresentador em determinado momento. Enquanto a revolta acontecia na plateia, o palco foi alvo de várias “bombas” caseiras de farinha. Naquele ano, outro acontecimento de destaque foi registrado: Jennifer Hosten tornou-se a primeira mulher negra a vencer o título, representando Granada.
Ter a sensibilidade de não investir em um roteiro dicotômico, fazer a devida contextualização histórica, mostrar opiniões antagônicas e ser detentor de um ritmo bastante fluído são algumas das qualidades deste filme baseado em uma história verídica.
Essa história é contada no filme Mulheres ao Poder (2020), com direção de Philippa Lowthorpe. Na verdade, o roteiro de Rebecca Frayn e Gaby Chiappe trata o protesto realizado durante o famoso concurso de beleza como ápice da trama. Antes disso, o trabalho da dupla dá conta de contextualizar historicamente o que conduziu àquele ato.
Keira Knightley, um dos rostos mais conhecidos do elenco, interpreta Sally Alexander, estudante de história que ingressou na universidade um tempo depois que o tradicional. Ela abandonou a escola aos 15 anos porque, segundo ela, a instituição não estimulava a “ambição acadêmica”, mas a “preparação para o casamento”. Assim, com essa visão de mundo em favor de mais liberdade para si mesma e outras mulheres, ela se junta a um grupo que questiona “a dominação do patriarcado”.
O roteiro não é dicotômico, expondo com delicadeza que acontecimentos históricos não transcorrem de maneira completamente clara, com alterações comportamentais bruscas, desprovidos de conflitos e visões contrárias. Muitas participantes do concurso de beleza, por exemplo, mostravam-se completamente felizes e acomodadas em sua posição de centro das atenções, alvo e fonte do glamour, peças importantes daquilo que era visto como um grande e belo espetáculo de “entretenimento familiar”. Quem protestava, no entanto, encarava o evento como uma espécie de “feira de gado”, considerando que as medidas corporais das candidatas eram criteriosamente aferidas, divulgadas e louvadas como garantias da valorização de quem elas eram.
Mulheres ao Poder, como o título em português entrega sem qualquer resquício de dúvida (o título original é um irônico e provocativo Misbehaviour, ou seja, “mau comportamento”), é uma produção que vem somar-se a obras que desafiam ideias preconcebidas, obras que promovem reflexões sobre machismo. É o caso, por exemplo, de Radioactive (2019) e A Espiã Vermelha (2018).
Ter a sensibilidade de não investir em um roteiro dicotômico, fazer a devida contextualização histórica, mostrar opiniões antagônicas e ser detentor de um ritmo bastante fluido são algumas das qualidades deste filme baseado em uma história verídica. É mais um trabalho que se soma a tantos outros lançados na sétima arte recentemente e que buscam valorizar as mulheres, tantas vezes colocadas em segundo plano em uma História claramente machista.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.