Em uma pequena cidade na França, uma moça de 21 anos chamada Clara Royer (Lula Cotton-Frapier) passa momentos divertidos na casa da melhor amiga. Ela, que mora nas redondezas, resolve ir para casa a pé. No caminho, ela é brutalmente assassinada: um homem joga álcool no seu rosto e em seguida ateia fogo. Este é o mote inicial de A Noite do Dia 12, thriller dirigido por Dominik Moll e que se sagrou grande vencedor do César, considerado o “Oscar francês”.
O longa ganhou seis prêmios (entre eles, o de melhor filme, diretor e ator coadjuvante) e levantou muita discussão por ser uma ficção inspirada em um caso real – narrado no livro 18.3: Une année à la PJ, da escritora Pauline Guéna. A riqueza do filme está justamente em sua capacidade de subverter os recursos do thriller – a busca de peças que aos poucos vão se encaixando em prol de uma solução – e, quiçá, até de criticar a febre de true crime, que o diretor diz não gostar. Estamos diante muito mais de uma história de frustrações em torno de questões de gênero.
Dito de outra forma, A Noite do Dia 12 narra o caso de uma equipe cheia de policiais homens que investiga um feminicídio (a terminologia jurídica não existe na França, fazendo com que não haja dados oficiais deste tipo de crime por lá).
A riqueza do filme está justamente em sua capacidade de subverter os recursos do thriller e, quiçá, até de criticar a febre de true crime, que o diretor diz não gostar.
A investigação sobre a morte de Clara vai levando a vários suspeitos, todos homens com quem ela teve algum tipo de envolvimento sexual. Por consequência, os policiais começam a insinuar respostas de que ela estava pedindo para ser assassinada. Mas logo, o novo chefe do departamento, Yohan (Bastien Bouillon, vencedor do César de melhor ator revelação) começa a se confrontar com os seus próprios preconceitos.
Isto ocorre, por exemplo, em uma cena marcante em que ele interroga a melhor amiga de Clara, que acusa a polícia de culpar a vítima por se apaixonar muito facilmente. O diálogo é suficiente para que haja uma quebra e Yohan seja “possuído” pela fixação de solucionar o caso, que bate nos empecilhos do descaso, das pistas confusas e da falta de orçamento para investigações.
Ao mesmo tempo, Yohan trabalha ao lado do policial mais calejado da equipe, Marceau (Bouli Lanners, vencedor do César de melhor ator coadjuvante), que, por razões pessoais, também se envolve avidamente na tentativa de solucionar o assassinato de Clara.
A investigação do feminicídio sob um olhar pessimista
Os louros conquistados por A Noite do Dia 12 parecem todos justificados. O fato é que o longa-metragem de Dominik Moll consegue provocar sensações incômodas no espectador – e não aquelas costumeiramente causadas por filmes de investigação policial.
O cenário frio e algo deserto do interior da França colabora para que o filme se torne uma experiência desconfortável. Tal como em outros detetives famosos, Yohan vai se tornando um investigador atormentado por um “fantasma”, e não consegue mais soltar do caso pelo fato de notar que não tem exatamente as ferramentas adequadas para investigar o assassinato de Clara.
Em certo momento, uma detetive mulher entra na equipe e solta uma frase que ressoa na mente no público: “os homens causam os feminicídios, e são também os homens os responsáveis por investigá-los”. Esta pérola do roteiro explicita que o caso de Clara é apenas um entre tantos outros – de tantas Claras que foram mortas por vários homens ao mesmo tempo, como imagina Yohan em certo momento.
A frustração em torno da solução dos feminicídios (não apenas em encontrar os assassinos, mas sim em descobrir o que fazer para que deixem de ocorrer) encontra ainda uma rica analogia no ciclismo praticado por Yohan, sempre de maneira circular, dentro de um velódromo, como se nunca saísse do lugar. Com um roteiro muito inspirado e capaz de provocar incômodo, A Noite do Dia 12 é um filmaço.
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