O filme italiano As Oito Montanhas, vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes em 2022, não tem pressa e, talvez por conta disso, bata tão forte e se instale no espectador. Sua ação tem início em 1980, quando um garoto de 11 anos, chamado Pietro, e seus pais decidem deixar a movimentada vida na cidade de Turim, no norte da Itália, para passar suas férias em uma pacata vila nos Alpes, perto da fronteira com a Suíça. Essa minúscula localidade tem apenas 14 habitantes e uma única criança, chamada Bruno, com quem Pietro desenvolve uma profunda amizade, enquanto os dois exploram juntos a vasta paisagem da região montanhosa.
As montanhas, como o título do filme mesmo deixa entrever, assumem significados distintos para cada um dos protagonistas nessa fase da vida. Para Pietro, elas representam uma fuga do cotidiano complicado e solitário na cidade – ele não tem amigos. Já para Bruno, elas simbolizam uma realidade solitária, de abandono emocional, da qual ele não consegue escapar, embora até deseje.
Um incidente triste acaba por separar os dois garotos, e quase duas décadas mais tarde, quando eles se reencontram, as diferenças entre eles estão ainda mais evidentes, mas o intenso afeto entre Pietro e Bruno (agora vividos, respectivamente, por Luca Marinelli, do ótimo Martin Eden, e Alessandro Borghi, de Fortunata) permanece. Mas As Oito Montanhas, que acaba de estrear nos cinemas brasileiros, nos leva a fazer inúmeros questionamentos, muitos deles existenciais, filosóficos até. O mais central deles é: pode uma amizade sobreviver ao tempo sem manutenção?
Baseado no romance homônimo do autor italiano Paolo Cognetti, publicado em 2016 com grande sucesso, o filme dos cineastas belgas Felix van Groeningen (de Querido Menino) e Charlotte Vandermeersch (de Wat Als?) não nega sua origem literária – a narração em off de Pietro e o próprio trabalho de câmera, muito descritivo e sempre preocupado com a geografia da trama, com a ambientação, o aproximam das páginas de um livro. As paisagens naturais, retratadas em formato 4:3 (quase quadrado) desempenham um papel fundamental na história.
‘As Oito Montanhas’: lentidão
Mas As Oito Montanhas nos leva a fazer inúmeros questionamentos, muitos deles existenciais, filosóficos até. O mais central deles é: pode uma amizade sobreviver ao tempo sem manutenção?
A narrativa de As Oito Montanhas avança de maneira lenta, sem pressa, ou grandes reviravoltas. Essa lentidão nos permite estabelecer fortes vínculos de empatia, quando não de identificação, com os dois protagonistas, já que os conhecemos desde meninos.
A cada reencontro entre Bruno e Pietro, a relação entre eles é sempre testada, e, em alguns momentos, vem à toma a dúvida se o afeto profundo, esse amor tenso que os une, mas também os divide, não seria de outra ordem, escondendo alguma tensão sexual. Mas o filme não é sobre isso.
As Oito Montanhas é mais a respeito de amadurecimento, retratando o crescimento dos protagonistas em direções opostas, apesar da forte conexão que sempre os reaproxima. Discute a vontade de fugir, mudar, versus a de permanecer, sendo que ambos têm um traço em comum: a solidão inerente. A comunicação entre Bruno e Pietro muitas vezes é não verbal, refletindo a dificuldade que muitos homens têm em expressar seus sentimentos. Eles não são exceções.
Vencedor do prêmio David di Donatello, o Oscar da Itália, nas categorias de melhor filme e roteiro adaptado, As Oito Montanhas é uma obra contemplativa, na qual o que chamamos de natureza, mas que para Bruno é algo muito mais complexo, porque é todo o seu mundo, é tão fundamental quanto Pietro e Bruno, ao mesmo tempo parte dela e em constante confronto com ela.
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