G.L. está toda espalhada e espelhada por Curitiba.
Qualquer pessoa que caminhe, mesmo que pouco, pelas ruas mais centrais da capital está sujeita a tropeçar em alguns dos seus poemas e, muito provavelmente, se encantar por eles.
É assim a sua poesia, que vive na rua, perto das pessoas, e divide o espaço disputado dos muros. É onde ela quer estar. É como ela quer ser vista.
Mas se a sua obra é muitas vezes marcada pela simplicidade, o documentário Vandalismo é não falar de amor, produzido pela Duoscópio Filmes e dirigido por Flávia Cassias Pereira, instiga discussões complexas e polêmicas que talvez nem devessem ser assim tão controversas, mas que ainda o são por conta de um conservadorismo insistente.
A ocupação da cidade, a estética desse meio, o embate entre a propriedade privada e a expressão da cultura popular, o feminismo e a presença da mulher no meio urbano, a intolerância e o conservadorismo, o cânone literário e, principalmente, o lirismo são alguns dos temas levantados pela própria Giovanna Lima no vídeo que tem aproximadamente 16 minutos, mas que poderia ter muito mais.
Isso porque o seu trabalho muitas vezes instiga discussões ao ser visto por um viés conservador e taxado como vandalismo. Ela, no entanto, o enxerga de maneira muito mais simples: “é só tinta sobre tinta”.
A sua resposta vem da frase que dá título ao documentário: “Vandalismo é não falar de amor”.
E se por um lado a sua forma de combate se dá por meio da ternura, por outro, a agressividade é sua arma contra o antiquado. Foi assim que começou a escrever de maneira permanente, uma vez que os lambes que colava eram todos arrancados. A resposta foi a tinta.
Falam que eu sou um gênero menor. Que bom que eu sou um gênero menor. Se um gênero menor é se comunicar com as pessoas e fazer as pessoas sentirem, eu quero ser um gênero menor.Giovanna Lima
E se as suas palavras pregam, na maioria das vezes, a cumplicidade, o oposto foi o que pode ser visto na tréplica quando uma reportagem sobre ela foi veiculada pelo portal G1 e a famigerada caixa de comentários se encheu de xingamentos e ameaças, inclusive de morte.
O discurso de ódio poderia ter vindo de pessoas que se sentiram lesadas ao ter o seu muro pichado, mas não. Eram reacionários que se expressavam de maneira irracional, uma vez que apesar de oposta à visão retrógrada, G.L. também se mostra consciente da responsabilidade que assume. Por isso, os lugares que escolhe são aqueles nos quais ninguém terá que empregar o seu tempo, dinheiro ou trabalho para limpar.
Afinal, ela está ao lado dos trabalhadores, das pessoas que dependem de salário, do cidadão comum. A forma que usa para se colocar próxima a eles, além do óbvio de escrever na rua, é optando por palavras simples que fazem com que qualquer pessoa sinta o amor sobre o qual se dedica, visto por ela em um sentido mais amplo do que aquele dos casais, mas sim o amor que vem da empatia, seja de mulheres por mulheres, seja pelo combate às injustiças, seja pela própria existência.
Formada em jornalismo, Giovanna atualmente cursa Letras na Universidade Federal do Paraná e se coloca como escritora e pichadora, o que pode também ser encarado como oposto para os que veem uma atividade como superior e elitizada enquanto a outra é encarada com desdém e marginalizada.
Contraditório? Não. O documentário mostra que a artista tem posições bastante coerentes ao promover a integração entre a sua fala em off sendo refletida por imagens do seu trabalho.
Um dos exemplos é quando ela diz o seguinte: “eu uso spray, eu uso canetão… eu carrego na bolsa. Não deixo o risco de perder um lugar bom por conta de esquecimento. Eu sempre tô com as minhas canetas. Tá junto com carteira, celular e Rivotril”, fala sobreposta por uma imagem que traz o seguinte verso: “Arquitetei universos só com minha paranóia” seguido de “Quase um ano de análise e ainda não consegui entender o que aconteceu comigo naquele segundo em que você sorriu”.
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Outra imagem bastante representativa do documentário é aquela em que Giovanna aparece escrevendo na parede enquanto o áudio nos permite ouvir e sentir o ruído causado pelo choque entre o canetão e o concreto.
É como se o quadro nos permitisse sentir o barulho que ela causa ao ocupar uma posição que talvez esteja entre o simples e o complexo, já que o seu ofício pode ser visto e debatido ao mesmo tempo pelo viés de temas bastante intrincados quanto pelo lado puro e doce, afinal, ela é só uma menina que espalha versos de amor pela cidade.
O audiovisual talvez opte por esse lado mais descomplicado, uma vez que é composto exclusivamente pela fala de G.L. e por imagens da sua arte. Se quisesse ser mais profundo talvez pudesse ter contado com um debate maior ao conversar com especialistas da área de letras, da sociologia ao até mesmo transeuntes que cruzam com a sua obra.
De qualquer forma, o registro se mostra altamente importante ao olhar de maneira maior para o trabalho às vezes efêmero dessa artista altamente relevante mas ainda vista como menor.