ATO 1
CENA 1
– Boa tarde, moça, eu trouxe esses CDs aqui para trocar para o meu filho, mas não sei qual levar.
– Deixa eu te ajudar. Do que ele gosta?
– Ele escuta Planet Hemp, Racionais, Gabriel, o Pensador…
– Então acho que ele vai gostar desse aqui.
[Telão projeta a capa do disco: uma máscara preta]
ATO 2
CENA 1
[Dois jovens trocam mensagens por celular. Cada um aparece em um canto do palco, sentado em um sofá e reagindo às mensagens, que aparecem no telão].
– Mano, quem é esse mano?
– Não sei, man. Acho que é o noturno dos X-Men.
– Maaaaaaaaaaaaano, o cara é muito louco. Tá passando no Manos e Minas.
– Nem tô ligado quem é.
– Apareceu o nome do cara. É Edgar.
– Hahahahahahahhahaha. É, só pelo nome já dá pra ver que o cara é muito louco mesmo. Quem que vai colocar o nome artístico de “Edgar”?
– Mas mano, pior que o cara faz um som da hora. Diferenciado!
ATO 3
CENA 1
[Som e luz simulam uma explosão. Cenário é a Zona Oeste de Curitiba após um apocalipse que aparentemente extinguiu a raça humana. Dos escombros surgem três seres com máscaras de gás lacrimogêneo que reviram os elementos de cena tentando encontrar vida. Como instrumentos utilizam pick-up, microfone e o poder da música].
Recebi minha mãe empolgado quando ela chegou em casa com o disco Cadeia Nacional, do Pavilhão 9. A capa e a contracapa, na qual os integrantes apareciam mascarados, eram arrebatadoras.
Por que usavam aquilo? Eram fugitivos? Presidiários? Quem eram? Se hoje em dia perguntaríamos isso ao Google, na época o que restou foi ficar intrigado e apreciar o disco. E que disco!
Até hoje acho estranho o fato de o Pavilhão não ter sido tão reconhecido como merecia. Aquele era o terceiro trabalho do grupo que promovia a mistura perfeita entre rap e rock e trazia participações como Max e Igor Cavalera, Marcelo D2 e Nação Zumbi.
Fui atrás dos discos anteriores, Primeiro Ato e Procurados Vivos ou Mortos, e aguardei o que viria em seguida, um disco ainda mais pesado, que trazia Jesus Cristo na capa e se chamava Se Deus Vier, Que Venha Armado.
Em 2015, quando li Grande Sertão: Veredas, descobri que vinha dali o título do disco que os levou ao Rock In Rio em 2001. Foi lá que o grupo deixou de lado o figurino, usado por receio da repressão policial. Naquele momento acabou minha curiosidade pelas máscaras, mas também o fascínio que elas causavam.
Por outro lado, esse encanto ressurgiu recentemente por um artista que usa o teatro a seu favor. Com o rosto azul e roupas rasgadas em rede nacional, no programa Manos e Minas, da TV Cultura, Edgar Pererê mostrou ser o oposto de alguns artistas que procuram aparentar a ostentação. Da mesma forma, as suas músicas também seguem na contra mão da tendência atual, uma vez que muitas delas são mais faladas que cantadas.
Naquele momento acabou minha curiosidade pelas máscaras, mas também o fascínio que elas causavam.
E se Gabriel, o Pensador me levou ao Pavilhão 9, o pioneiro carioca foi também referência para Edgar Pererê, que passou a ter contato com o teatro e com a música ao assistir uma peça baseada nas letras do pensador.
A partir daí os saraus que acontecem na sua cidade, Guarulhos, foram o portão de entrada para que ele passasse a escrever as letras e gravar as suas músicas, que resultaram nos discos Progeria Atípica (2013) e Paralelo 22s (2015), que conta com a música “Manequim Blues”, tratando de mais um tema pouco visto no rap nacional: o machismo, assunto também discutido em “É por elas”, do curitibano Fantoxi.
E é de Curitiba que vem outro grupo que faz das suas apresentações performances. O Inthefinityvoz, que tem integrantes conhecidos: Dow Raiz, que compõe a banda de reggae Unification e segue trabalho solo, assim como Thestrow, que além de ter sua carreira individual ainda faz parte do Mentekpta.
No entanto, se o trabalho dos MCs é conhecido, os seus rostos e o do DJ Zóio ficam encobertos durante os seus shows. Mas não é só. Com o cenário criado pelos artistas Fino e Coruja é que o grupo completa o visual peculiar que pode ser visto no DVD Da Extinção Há Existência, gravado no Teatro Paiol e que carrega o mesmo nome do seu disco.
Dessa forma característica eles se apresentaram recentemente no programa Estúdio Showlivre e, assim como Pavilhão 9 e Edgar Pererê, fizeram com que a essência transparecesse na aparência.
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