Ray Bradbury era um colaborador antigo da Walt Disney quando seu livro Algo Sinistro Vem Por Aí (1962) foi adaptado aos cinemas pelo estúdio. Amigo pessoal do próprio Walt, o celebrado escritor de ficção científica havia ajudado na construção do Epcot, o parque futurista do complexo de entretenimento da marca em Orlando, e participado de exposições ao lado do criador do Mickey.
Diante desse histórico, não deixa de ser curioso que um dos filmes de horror mais sombrios produzidos pela Disney leve o nome do autor de Fahrenheit 451. No Templo das Tentações (Something Wicked This Way Come, 1983) surge na mesma leva de Mistério no Bosque, de John Hough, quando o estúdio decidiu apostar em produções mais sérias voltadas para o público adulto.
Ao contrário do título de 1980, no entanto, a adaptação da obra de Bradbury é violenta e bem mais estranha à marca, conhecida por animações voltadas para crianças. Em uma das cenas, o jovem Will Halloway (Vidal Peterson) tem um vislumbre da própria cabeça ensanguentada em um cesto de palha. Em outra, um dos personagens morre brutalmente ao ser eletrocutado em um carrossel e ter o corpo arrastado por um dos vagões.
No Templo das Tentações é particularmente violento para um filme da Disney. Em uma das cenas, uma criança vê a própria cabeça decepada e ensanguentada em um cesto de palha.
A trama acompanha uma cidade do interior americano que recebe a visita de uma comitiva circense fora de época. O trem chega no meio da noite, sem maquinista ou passageiros. Logo no primeiro dia do circo, moradores da região desaparecem. O mistério envolve o proprietário da atração, Senhor Dark (Jonatham Pryce).
A história é contada do ponto de vista de duas crianças, Will e Jim Nightshade (Shawn Carson), que percebem que a trupe aprisiona almas em troca de desejos. Pessoas que anseiam por dinheiro, mulheres e fama são cortejadas por Dark e sua ajudante, vivida pela bela Pam Grier, musa do cinema blaxploitation na década de 1970.
Dirigido por Jack Clayton (Os Inocentes, 1961), No Templo das Tentações se tornou uma aposta ruim nas bilheterias. Os críticos e o próprio Bradbury não consideraram a obra de baixa qualidade, apesar de não a defenderem como um marco no gênero de horror.
Como no caso de Mistério no Bosque, acho que o filme de Clayton merece atenção pela escolha inusitada do estúdio. Levaria dez anos para que os executivos da Disney apostassem novamente no gênero de horror, em Abracadabra (1993). Mesmo assim, nenhuma produção posterior da casa do Pato Donald traria uma ambientação com clima de assombração tão sério quanto nesse início dos anos oitenta.
De fato, No Templo das Tentações não é exatamente um título memorável, mas há tomadas belíssimas e bucólicas do interior dos Estados Unidos e atuações competentes.O desempenho do oscarizado Jason Robards, como o pai tardio de uma das crianças, é brilhante. Seus dilemas sobre juventude dão densidade emocional e engrandecem a trama.
Em 2014, a Disney anunciou uma refilmagem escrita por Seth Grahame-Smith. O autor do bobo best seller Orgulho, Preconceito e Zumbis chegou a dar entrevistas sobre a produção, em que afirmou que o ponto de partida da nova versão seria a obra de Bradbury, que é bem mais sombria que a adaptação de 1982. Seria o retorno do estúdio ao horror?