Num canto remoto da Europa oriental, um soldado americano pede abrigo da chuva em um mosteiro. Os eremitas que habitam o local o tratam com desprezo e se recusam dar-lhe acolhimento, mesmo com a forte tempestade do lado de fora. O homem desmaia e acorda com os uivos de um prisioneiro, que implora para ser libertado. Os monges explicam que o sujeito está encarcerado por ser o próprio demônio, responsável por todo o mal que existe no mundo.
Essa é a premissa de “O Homem Uivante”, episódio da segunda temporada da série Além da Imaginação escrito por Charles Beaumont. Exibida originalmente em 1960, a trama é uma das mais lembradas do programa. Em 2018, foi referenciado brevemente em um dos capítulos de Castle Rock, seriado ambientado na cidade fictícia criada por Stephen King que aparece em livros Zona Morta, Cão Raivoso e Trocas Macabras.
Boa parte da produção literária de Stephen King surge como uma extensão do tipo de ficção fantástica produzida pelo clássico seriado criado por Rod Serling.
Embora seja rápida, a menção à história de Beaumont não é gratuita. Na produção exclusiva do serviço de streaming do Hulu, a base da estrutura narrativa parece recriar o drama do suposto demônio aprisionado por monges hostis à visitantes.
No lugar de um soldado, surge um advogado, interpretado por André Holland. Depois de passar anos longe de Castle Rock, sua cidade natal, ele é chamado para representar um prisioneiro, vivido por Bill Skasgard, que é encontrado acorrentado em um porão da penitenciária de Shawshank. Pelas pessoas que o colocaram ali, o sujeito é uma entidade à serviço do mal, capaz de destruir o mundo como o conhecemos. Cabe ao protagonista, como o visitante do mosteiro na história original, acreditar ou não no que dizem esses guardiões.
Não é exatamente novidade que Além da Imaginação seja uma influência bastante profunda na obra de King. O escritor descreveu a atração como um “marco estético e narrativo para a televisão”, que “influenciou uma geração inteira de artistas” em seu livro-ensaio Dança Macabra. No revival de 1985 da série, ele chegou a contribuir com um conto para um dos episódios.
Boa parte da produção literária do romancista surge como uma extensão do tipo de ficção fantástica produzida pelo clássico seriado criado por Rod Serling. Suas histórias sempre parecem se situar em realidades que estão no limiar da nossa, numa área de indefinição do imaginário – como a zona crepuscular. Essas mesmas narrativas colocam sujeitos ordinários em situações extraordinárias, pensando o sobrenatural e o horror como um problema a ser enfrentado por pessoas que vemos no nosso cotidiano.
A abordagem, como escrevi em outra oportunidade, é radicalmente distinta da adotada por H. P. Lovecraft, cujos protagonistas costumam ser professores, especialistas ou pesquisadores do oculto. O objeto do medo na narrativa lovecraftiana vem de longe, de áreas desconhecidas que são proibidas aos meros humanos.
Nos livros de King e nas tramas da série Além da Imaginação, o horrível habita nossa própria casa e nem sempre somos capazes de escapar de suas garras. Castle Rock, ao emular o mesmo desfecho de “O Homem Uivante”, demonstra isso de forma bastante clara – especialmente em seu sufocante e deprimente desfecho.