Em 1896, duas crianças caminhavam pela praia de St. Augustine, na Flórida, quando se depararam com a carcaça gigante de uma estranha criatura. Especialistas da época determinaram que o animal era uma espécie de polvo, cuja extensão facilmente passava dos seis metros.
O monstro de St. Augustine, como ficou conhecido, é apenas uma das incidências em que bestas com grandes tentáculos invadiram o imaginário ocidental. Relatos de ataques de lulas gigantes datam do século XIV, refletindo um possível mundo adormecido nas profundezas do oceano.
No mundo contemporâneo, como outros temores que nos acompanham há centenas de anos, os monstros tentaculares invadem os filmes de horror e fantasia. Eles estão em Fúria de Titãs (1981), 20 Mil Léguas Submarinas (1954) e O Monstro do Mar Revolto (1955), entre inúmeros outros. Na década de 1920, o escritor norte-americano H. P. Lovecraft criou até uma divindade alienígena chamada Cthulhu, cujo rosto era coberto por pequenos tentáculos.
Menos de dez anos após o lançamento de Tentáculos, a revista Fangoria, especializada em horror, já citava a obra como um título obscuro obrigatório para os fãs do gênero.
Dentre muitas dessas obras, uma das mais relegadas ao esquecimento é Tentáculos (1998), de Stephen Sommers. O título não só antecede o lançamento de A Múmia (1999), maior sucesso de público e crítica do diretor, como também antecipa a intenção do cineasta em criar uma aventura de horror bem humorada.
Com efeitos de computação gráfica que envelheceram mal, como boa parte dos títulos de horror da década de 1990, o filme tem como protagonista um grupo de mercenários que pretende assaltar um transatlântico. Na liderança está Treat Williams (Hair), atuando como um anti-herói canastrão, cheio de frases de efeito.
Ao chegar ao navio, os saqueadores descobrem que a tripulação, formada por grã-finos norte-americanos, foi devorada por tentáculos de um monstro gigante. A partir daí, a trama envereda por uma fuga do navio no melhor estilo do clássico O Destino de Poseidon (1972), de Ronald Neame.
Fracasso de bilheteria, essa divertida produção acabou se tornando cultuada com o tempo. Menos de dez anos após o seu lançamento, o livro 101 Best Horror Movies You’ve Never Seen: A Celebration of the World’s Most Unheralded Fright Flicks, organizado pela Revista Fangoria, citava Tentáculos como uma referência obrigatória no catálogo obscuro das (agora falidas) locadoras.
Embora Sommers não seja lá muito talentoso, o filme tem bons momentos. Especialmente nas cenas protagonizadas por Williams, que parece se divertir tanto quanto o público em sua imitação de Indiana Jones. Aliás, nos bastidores, os produtores chegaram a cogitar o nome de Harrison Ford para protagonizar a trama. A recusa do astro acabou barateando os custos da produção.
Algumas ideias do longa-metragem também soam bastante perturbadoras, como o corredor de ossos regurgitados por tentáculos. “Eles não foram devorados, mas ingeridos como bebidas”, comenta um dos personagens causando arrepios no espectador. Também gosto do modo como passamos boa parte do filme sem ver o restante do corpo da criatura, o que lembra o próprio mistério envolvendo o imaginário de bestas marítimas alimentado por casos como o de St. Augustine.
Quando o monstro finalmente mostra os dentes para a tela, há uma inevitável decepção. Afinal, são quase 20 anos de avanços na computação gráfica desde o lançamento de Tentáculos e o bicho parece bastante artificial. O próprio Sommers parece ciente disso ao envolver os protagonistas em um novo mistério tentacular na última cena.