Quantas vezes, depois de adulto, você já se pegou pensando em como era bom ser criança? Poucas responsabilidades, nada de contas para pagar, zero preocupações com cartão de crédito, tardes brincando à toa ou vendo tevê. E quantas histórias da sua infância fazem parte do seu repertório? Quantas vivências do tempo de criança ainda são marcantes para o adulto que você se tornou?
O retorno a essa época de outrora é o mote do cronista Antônio Prata no livro Nu, de Botas (Companhia das Letras, 2013). A leitura do livro deve render boas risadas e boas lembranças. Mas, para mim, como mãe, rendeu uma importante reflexão: quantas vezes esquecemos ou romantizamos a nossa infância e não nos lembramos dela quando temos de lidar com crianças? Rever ou revisitar a própria história, com a ajuda da racionalidade que a vida adulta nos oferece, é a melhor ferramenta para praticar a empatia com as crianças.
No livro, tem história de cocô na calça, briga na caixa de areia, bicho de estimação comendo sorvete de creme, mentirinhas, comentários inconvenientes, telefonemas para programas de tevê. Tudo o que faz parte do cotidiano da criança: coisas dão certo, coisas dão errado, há tentativa e erro. Há choro e descabelamento eventualmente também.
Nos faz pensar sobre o quanto esse tipo de situação deve ser encarada com naturalidade e bom-humor e, nem de longe, com olhares de reprovação, bufos ou posts passivo-agressivos nas redes sociais.
Nas últimas semanas, um post polêmico sobre crianças em lugares públicos repercutiu na internet (e não, isso não é mimimi de mãe; há casos em que crianças e suas mães são de fato maltratadas e precisamos falar sobre isso porque não é uma mera “opinião”. Ter ou não ter filhos é opinião e escolha; excluir as crianças do convívio é preconceito) e enquanto via a repercussão do assunto, estava lendo o livro do Antônio Prata. A coincidência fortaleceu meu entendimento sobre a obra: pais e não-pais precisam entender e rever a própria infância a fim de lidar melhor com as crianças de agora.
Os tempos são outros? Sim. As crianças hoje em dias são “diferentes”? Graças aos deuses. Coisas como “palmada” e “castigos” – que eram normais e até são justificados pelos adultos que os sofreram – não são mais bem tolerados? Ufa! Pais e mães reivindicam a possibilidade de levar os filhos para todo lugar? Maravilha. Um estabelecimento ou uma pessoa admitir que “não tolera crianças” gera um alarde sem fim? Yeah, estamos evoluindo, afinal, esse é um preconceito como outro qualquer. Já pensou alguém dizendo que não tolera conviver com idosos alheios? Soa bem estranho, não é!? Então…
Embora a gente guarde a visão mais romântica da nossa própria infância, feliz e sem compromissos, é preciso pensar nos pequenos como seres indefesos (se preferir: são uma “minoria”), que muitas vezes não entendem exatamente o que está acontecendo, que não conseguem se expressar adequadamente (por não ter domínio completo da linguagem) e, principalmente, estão em franco desenvolvimento. Imagine você que, até os seis anos, as conexões de várias partes do cérebro ainda estão em “fase de testes” e é como lidamos com as crianças até essa idade que indicará se haverá pleno funcionamento um dia ou não. É preciso pensar que um dia todos nós estivemos na mesma situação.
No livro, o autor trata de forma bem-humorada diversas passagens da sua infância em São Paulo, nos anos 1980, que retratam a inocência e, por vezes, a incapacidade natural de uma criança de compreender completamente o que acontece no mundo à sua volta. Nos faz pensar sobre o quanto esse tipo de situação deve ser encarada com naturalidade e bom-humor e, nem de longe, com olhares de reprovação, bufos ou posts passivo-agressivos nas redes sociais. Pois basta que nos recordemos de como éramos há 20 anos ou mais, dos adultos que nos acolheram e contribuíram para nossa formação como ser humano; dos que não acolheram e impediram – ou pelo menos retardaram um pouco – um crescimento sadio e normal.