Crianças são indivíduos que fazem parte da sociedade mas estão completamente vulneráveis ao “poder” do adulto. Crianças existem, mas à mercê de uma sociedade e sistema que, em geral, as renega, diminui e as subestima. Com o cérebro ainda em plena formação, as crianças são cientistas, experimentando o mundo, aprendendo com ele.
Hoje em dia, essa experimentação do mundo pelas crianças se dá, em grande parte, pelas telas. As crianças estão vendo tevê, estão vendo os seus computadores, tablets e celulares. Os pais estão trabalhando, estão ocupados ou estão em seus próprios computadores, tablets ou celulares. E resta à criança a “babá eletrônica” (essa expressão, bem anos 1990, que continua atual).
Daqui, da minha experiência como mãe, percebo que as crianças são altamente susceptíveis. Elas escutam e repetem o que assistem na tevê, ouvem no rádio ou escutam os adultos e outras crianças falando. Fujo das telas e da publicidade para crianças sempre que posso, ou melhor, desde uma vez que assisti a Discovery Kids durante uma tarde e saí daquela experiência querendo EU MESMA todos os brinquedos anunciados ali.
Até os 6, 7 anos, devido ao desenvolvimento do cérebro, qualquer conteúdo apela para o emotivo. Bastam alguns segundos para que uma marca influencie uma criança.
Acompanhei um pouco da discussão sobre os marcos legais da publicidade infantil. Quando engravidei e comecei a descobrir o universo paralelo que são as coisas relacionadas ao universo infantil, em 2014, havia sido aprovada uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
Lembro de acompanhar um pouco no noticiário e de saber que, embora a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente já tratassem sobre a vulnerabilidade das crianças perante a publicidade, foi depois desta resolução que a jurisprudência passou a adotar esse mesmo entendimento.
O setor publicitário alega que estas regras impossibilitam o mercado e sugerem que o Conanda não teria autoridade para legislar sobre o tema, o que provoca uma instabilidade jurídica.
A minha experiência com crianças me faz pensar que a legislação deveria ser ainda mais rígida. Ou nós, os cuidadores de crianças, deveríamos, com afinco, mantê-los longe dos reclames. Nada contra os publicitários, mas é que as crianças não são racionais.
Até os 6, 7 anos, devido ao desenvolvimento do cérebro, qualquer conteúdo apela para o emotivo. Bastam alguns segundos para que uma marca influencie uma criança. Eu que o diga: minhas filhas, de apenas 3 e 4 anos, repetem exaustivamente o jingle de bom dia da rádio local que elas ouviram duas ou três vezes apenas.
No final do ano, ouvi da mais velha a descrição completa de uma boneca que ela gostaria de ganhar de presente. Falou o nome e o sobrenome do brinquedo, as especificações, o que vinha junto. Depois que ela dormiu, procurei pela boneca na internet e sou sincera em dizer que não fiquei muito surpresa: ela tinha decorado o texto da propaganda da boneca, que até hoje não sei onde ela viu.
Inúmeras pesquisas e grupos atuam nessa seara: o Instituto Alana, a página Infância Livre de Consumismo que compila publicações sobre o assunto, entre outras. Sobre o assunto, é muito pertinente o documentário Criança, a Alma do Negócio (disponível aqui), produzido em 2008 pela Maria Farinha Filmes. Ali, especialistas, pesquisadores, mães e pais falam sobre a influência da publicidade para crianças e como a hipervulnerabilidade delas diante das propagandas gera uma cascata de efeitos negativos: obesidade, consumismo, erotização precoce, estímulo à violência, gera estresse (pois as crianças influenciam nas decisões familiares).
Não é pequena a lista de malefícios. Recentemente, a Secretaria Nacional do Consumidor lançou uma consulta pública sobre publicidade infantil. Foi disponibilizado um formulário para que os usuários, perante o CPF, comentem a minuta de portaria proposta pela Secretaria. A medida contou até com divulgação do Ministro da Justiça, Sérgio Moro, que, pelo Twitter, relacionou as regras atuais sobre publicidade com a diminuição da oferta de programação infantil na tevê aberta.
Essa consulta mobilizou os grupos e entidades contrários à medida, pois o texto sugerido pela Secretaria abriria um brecha para a publicidade infantil considerada abusiva, que é aquele que se dirige diretamente às crianças (e não aos pais ou responsáveis, que são quem realmente tem o poder de compra e de decisão). Foi lançado um manifesto contrário a qualquer possibilidade de alteração nos regramentos que já existem.
A consulta segue aberta até o dia 27 de fevereiro. E segue em aberto todos os questionamentos que envolvem a publicidade infantil. Afinal, em 2020 não é possível que vejamos possibilidade de abertura para situações estapafúrdias como publicidade em escolas ou alimentos. Ou – exageros à parte – que se considere saudável a estapafúrdia propaganda da tesoura do Mickey que, em 1992, deve ter causado choro e compras impulsivas em muitos lares Brasil afora.
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