Uma pequena anedota cotidiana da vida materna – que é um nanometro perto de qualquer necessidade especial real – nos remete a uma rotina maior vivida diariamente por pessoas com necessidade especiais e principalmente pelas crianças nessas condições. Há quinze dias, meio tentando andar, meio correndo, meio pulando (na verdade não sabemos exatamente como, mas foi sendo sapeca) minha filha de 1 ano e 3 meses caiu e quebrou o braço. Está com o braço esquerdo imobilizado e não se sabe quanto tempo ficará assim, até que o osso machucado cure por completo.
No primeiro momento, a nossa preocupação foi com o bem-estar e a segurança dela. Logo depois, quando o bracinho já estava enfaixado e ela, sem dor, foi a hora de perceber quais reações e qual intensidade de sentimentos uma “criança com só um braço” pode causar. Ela é uma criança bem sorridente e sociável e assim permanece, mesmo com a limitação temporária. Essa mistura gera uma reação estranha, um sorriso meio amarelo, um misto de compaixão com esperança, uma mistura de dó com miseração.
Além da falta de acessibilidade em todos os lugares, um grande problema com o qual as pessoas com necessidades especiais têm de lidar a todo momento, a invisibilidade social deve criar esse sentimento de pena.
Um sentimento estranho, meio Joseph Klimber. Pra mim, enquanto as pessoas interagiam com a pequena e não sabiam do ocorrido, me parecia que elas estavam pensando: “poxa, uma criança sem braço que continua feliz”. Muita gente apontou um olhar piedoso, de clemência, como se ela fosse um bibelô estragado. Provavelmente eu mesma já fiz isso em outro momento, com outras crianças. Mas eu achei terrível. Já pensou ter que conviver diariamente com isso? Imagina conviver com essas reações desde criança?
Além da falta de acessibilidade em todos os lugares, um grande problema com o qual as pessoas com necessidades especiais têm de lidar a todo momento, a invisibilidade social deve criar esse sentimento de pena, de misericórdia, de clemência… que talvez não seja necessário o tempo todo.
Para completar, nessa semana em que se iniciam as Paralimpíadas 2016, vemos que os canais de tevê aberta, que mudaram completamente suas programações há pouco, em agosto, quando aconteciam as Olimpíadas, não ofertam a mesma cobertura. Porque não é dado o mesmo espaço? Agora, fazem curtas reportagens sobre o evento esportivo dos atletas especiais, sempre com um tom emotivo exagerado. Entendo que as pessoas que superam suas dificuldades precisam ser exaltadas, lembradas, mostradas. Mas esse clima de “exceção” com o qual as pessoas com necessidades especiais são tratadas não educa ou ajuda para que a inclusão se efetive. Pelo contrário, reforça esse “lugar” específico para elas. Sabe aquilo assim: “uau, eles conseguem!”; que não é um “uau, eles são incríveis”, tratamento geralmente dado aos outros atletas.
Embora agora a sociedade faça esforços maiores para a inclusão do que era feito há alguns anos, as pessoas com necessidades especiais – sejam temporárias ou definitivas – ainda lidam com muitas dificuldades. E se, desde criança, fosse possível conviver com essas pessoas de uma forma mais natural? Para isso, é preciso que personagens de filmes e desenhos animados, músicos, apresentadores e repórteres de tevê, brinquedos e personagens dos livros infantis, nas ruas, escolas, restaurantes e supermercados também passem a figurar e integrar essa parcela da população.
Minha filha, em breve, não estará mais com o braço imobilizado. Mas, como mãe, me sinto responsável para que, mesmo depois desse evento, ela conviva com quem tem alguma necessidade especial e as veja representadas nos lugares onde vai ou nos produtos que consumir. Precisamos naturalizar essas pessoas, de preferência fazendo isso com as crianças, que crescerão aprendendo que isso é normal. Dessa forma, quando adulta, ela saberá conviver de forma serena no mundo, seja com quem for.
Obs.: Em menos de dois dias “sem um braço”, a criança já estava fazendo sozinha tudo que fazia antes: pegando coisas, brincando, engatinhando, andando. Muito rápido ela superou a incapacidade momentânea e se adaptou. Ela está ótima. Mas, para quem olha de fora, continuam os olhares de enternecimento desnecessários.