Independentemente de partido político ou ideologia, uma afirmação deveria ser regra: prevaleça, em qualquer situação, o bom senso. Em tempos de fake news e do compartilhamento exacerbado de toda sorte de bobagens, diariamente somos impactados com notícias deprimentes – uma delas diz respeito ao movimento de pais de uma tradicional escola do Rio de Janeiro contra o livro Meninos Sem Pátria, de Luiz Puntel.
A obra, desde o seu lançamento em 1981, tornou-se leitura obrigatória em colégios de todo país. Cativante, o livro, uma das pérolas da inesquecível Coleção Vaga-Lume, da Editora Ática, revisita um momento real da história do Brasil: o período da ditadura militar.
Pelos olhos dos pais do Colégio Santo Agostinho – Unidade Leblon, trata-se de uma “apologia ao comunismo”. Prova de que está faltando informação, diálogo e discernimento, pois é no mínimo vergonhosa essa afirmação sobre a publicação.
Puntel, em entrevista ao El País, reagiu incrédulo à polêmica. “Eu fiquei surpreso. Meu livro é sobre a ditadura, um fato histórico. Jamais imaginei que, em 2018, seria censurado. Meninos Sem Pátria rendeu mais de 20 edições, sempre com boa aceitação do público e, principalmente, das escolas, que o recomendam para leitura didática. Não faz sentido acusá-lo de doutrinação ou proselitismo ideológico”, reitera o autor.
Inspirada na história real da família do jornalista José Maria Rabêlo, que viveu 16 anos no exílio – no Chile, na Bolívia e na França –, Meninos Sem Pátria propõe uma viagem histórica por meio da visão e experiências dos protagonistas da narrativa: Marcão e Ricardo. Os garotos encaram uma grande mudança em suas rotinas quando são obrigados a deixar o país na companhia dos pais.
‘Meninos Sem Pátria’ rendeu mais de 20 edições, sempre com boa aceitação do público e, principalmente, das escolas, que o recomendam para leitura didática. Não faz sentido acusá-lo de doutrinação ou proselitismo ideológico.
Em entrevista ao jornal O Globo, Rabêlo, de 90 anos, e o filho, Fernando, fotógrafo e blogueiro, mostraram-se estarrecidos com a situação. “O colégio entrou na irracionalidade dos pais, que estão vivendo esse momento de alucinação que o Brasil atravessa, de intolerância, agressividade. O colégio entrar nesse jogo? O resultado disso é nenhum. Essa gente não tem perspectiva nenhuma de história, só dos próprios interesses”, avalia José Maria.
Também em entrevista ao O Globo, Fernando lembrou que ele e o pai chegaram a participar de um debate no mesmo Colégio Santo Agostinho, em Belo Horizonte, para falar sobre a ditadura e tudo que viveram no exterior. “Estou pasmo em saber que, em plena democracia, a gente sofre esse tipo de censura. Acho que há um avanço do fascismo, inclusive entre as elites, no país”, completa.
O monitoramento desmedido das rotinas em sala de aula tornou-se insano. O dito “controle ideológico”, tão alardeado pelos defensores da Escola Sem Partido, fere os princípios básicos da democracia e coloca em alerta toda a sociedade. Que prevaleça o bom senso…
Em tempo: de acordo com informações da Estante Virtual, empresa especializada na venda de livros usados, o romance infantojuvenil Meninos Sem Pátria foi o mais vendido no site em outubro. Em segundo lugar, aparece o clássico A Revolução dos Bichos, de George Orwell, seguido por A Sutil Arte de Ligar o F*da-se, de Mark Manson.