Dias de chuva me lembram Recife. Imagino a estranheza do leitor diante desta frase, mas confesso que ela retrata com fidelidade minhas lembranças da capital pernambucana. Aos que associam a cidade com a praia de Boa Viagem e seus quase sete quilômetros de extensão, céu azul e sol escaldante, é necessário dizer que Recife é outra quando chove. Parece que nestes momentos ela assume camadas bucólicas, mais associadas com Curitiba, por exemplo.
Muita desta associação se deve ao fato de que, quando para lá me mudei, deixei meu coração e mente por São Paulo. Desta forma, quando a chuva insistia em cair por suas largas avenidas, era como se fossem partes de algumas lágrimas que eu insistia em guardar, enquanto outras eu botava para fora. Como não haviam muitos amigos, geralmente passeava com um único, Sérgio.
Em algumas manhãs, ele me buscava em meu apartamento no seu Uno azul, um tanto judiado pelos asfaltos já rodados. Nos dias de chuva, sentava no banco ao seu lado e íamos rasgando a cidade pelas ruas, lotadas de ônibus, gente e carros, muitos carros. No trecho final da avenida Boa Viagem, antes que virasse Antônio de Goes, reparava como o mar parecia revolto, incomodado com a chuva que impedia seu encontro com turistas. Talvez ele não gostasse destes dias de chuva como eu gostava. Provavelmente não tinha interesse de perambular por todo o Atlântico até retornar à São Paulo. Talvez lhe incomodasse Brasília Teimosa, aquela parcela de vida à margem na Recife dos cartões postais, aquelo modelo urbanístico acidental de sobrevivência de pescadores, donas de casa, estudantes. Talvez.
Sozinho no carro, eu admirava compenetrado aquelas gotículas de chuva escorrendo pela janela lateral.
No trajeto até a rua da Aurora, uns bons dez quilômetros, dividíamos alguns cigarros, sempre fumados com a janela entreaberta, aproveitando que a calha para chuva de seu carro impedia que a água entrasse. Hora ou outra ele parava em algum lugar, uma loja, uma padaria, uma livraria. Sozinho no carro eu admirava compenetrado aquelas gotículas de chuva escorrendo pela janela lateral. Acendia outro cigarro, sempre Free, o único que Sérgio fumava, fechava a janela e baforava aquela fumaça branca no vidro enquanto assistia ela se dissipar.
Foram assim algumas tantas vezes. Em outras, da varanda do apartamento, sentia a força do vento me jogar na cara aquelas gostas de chuva. As chicotadas que levava daquelas frações de céu, mesmo que melancólicas para alguns, eram suaves e alegres para mim. Elas me faziam recordar que dias de céu azul não são necessariamente dias alegres e que, na direção contrária, dias nublados ou de chororô das nuvens podem, sim, representar dias absurdamente alegres.
Não se assuste, então, ao ler que dias de chuva me lembram Recife, pois eles me trazem à mente momentos que estão eternizados. E, no final das contas, dias de sol me lembram Curitiba. Sendo assim, não fui feito para ser compreendido.