Cresci em uma família na qual não se comemorava o Carnaval. O período parecia ser uma gigantesca quarta-feira de cinzas, dias chatos e modorrentos. Não íamos a bailes, não assistíamos os desfiles das escolas de samba e muito menos consumíamos bebidas alcoólicas. A televisão era desligada após o fim do Jornal Nacional e, se possível fosse, só religada na quinta-feira.
Quando criança, a bem da verdade, eu mal notava que um período do ano era como inexistente. Contudo, ser adolescente nesta realidade era verdadeiramente estranho, para dizer o mínimo. Qualquer adolescente no alto de seus 14, 15 anos já inicia a vida social frequentando pequenos bailes de Carnaval, especialmente em cidades do interior, como era o caso de Campinas. Em virtude desta realidade, cruel na mente de qualquer adolescente, precisei adaptar a vida e encontrar mecanismos para “pular” o meu Carnaval. Mas vejam, o que pode fazer um garoto de 14 anos para se divertir se todos seus amigos estão viajando ou pulando o bendito Carnaval?
Cresci em uma família na qual não se comemorava o Carnaval. O período parecia ser uma gigantesca quarta-feira de cinzas, dias chatos e modorrentos.
Aos 16 anos, ganhei sinal verde de meu pai para ir ao eu primeiro baile carnavalesco. Talvez tenha sido justamente essa abstinência da festa popular que tenha feito com que eu me apaixonasse tanto pelo evento, pelo samba e tudo que se relaciona com a tal festa pagã. Meu primeiro Carnaval não teve ala das baianas, comissão de frente e nem globais. Foi singelo, num clube do bairro onde cresci, já em fase decadente, ainda que nunca tenha sido verdadeiramente o celeiro da nata campineira.
Ciente de que era um momento ímpar na vida, faltava-me compreensão do que fazer. Era quase como o primeiro sexo: não sabemos o que fazer com as mãos, temos medo de estar fazendo algo errado e, geralmente, acaba bem antes do que gostaríamos. Não me recordo das músicas que tocavam à época, mas sei que em frente ao palco montado, um grupo de dançarinos juntamente com um grupo musical interpretavam várias canções de axé. Não era exatamente a visão que eu tinha do Carnaval, mas estava de muito bom tamanho. Cheguei até a arriscar umas coreografias do É o Tchan, obviamente cometendo erros que fariam qualquer um corar de vergonha, menos eu.
O Carnaval passou a exercer uma força gigantesca no meu ser desde então. Nunca pisei na Sapucaí, tampouco no Anhembi. Nunca fui atrás da verde e rosa, ainda que ela tenha vindo e tomado meu coração. Não corri atrás do trio de Dodô e Osmar e nem tive a oportunidade de fazer o circuito Barra/Ondina. Não obstante, é como se a cada sexta-feira de Carnaval eu me fantasiasse e descesse as ladeiras de Olinda, seguisse o Galo da Madrugada ou acompanhasse o Cordão da Bola Preta.
No fim, a quem viveu a clausura e impossibilidade de curtir o Carnaval, pouco importa quem tem o maior ou o melhor. Eu só quero é saber do amor do Pierrô pela Colombina, ainda que ela só pense no Arlequim. Ou nas palavras de Johnny Hooker, “quando chegar fevereiro / eu quero ser Carnaval / meu corpo no seu / num desbunde geral”.