Uma boa maneira de matar o interesse por literatura é fazer com que o jovem seja obrigado a ler determinado livro e posteriormente ainda seja avaliado sobre aquilo que leu. Nada mais prazeroso e tranquilo do que ler alguma coisa sabendo que você será testado logo em seguida, não é mesmo?
Por outro lado, se você nunca for apresentado aos escritores e às escritoras realmente importantes é possível que passe uma vida inteira sem saber quem foi Bento Santiago ou Macabéa e isso seria uma pena, além de uma grande oportunidade perdida, feito aquelas em que a gente acaba deixando de conhecer uma pessoa que poderia mudar as nossas vidas.
Acho que a solução passa por algo semelhante ao que vários de meus professores (tive muita sorte) fizeram ao longo dos anos que fiquei lá sentado nas carteiras enfileiradas: eles disponibilizavam diversos livros, de gêneros variados, colocando-os lado a lado no quadro, e aí cada aluno ia lá e escolhia o seu. Depois da leitura a gente trocava impressões e passava os livros adiante. Vez ou outra a turma inteira lia o mesmo livro para debater e fazer trabalhos, mas essas possibilidades de escolhas sempre existiram simultaneamente às leituras tidas como obrigatórias. É uma atividade simples e que sempre me pareceu eficiente, tanto que pratico até hoje com alunos do ensino superior.
Será que o que define o paranaense é apenas o barreado, os pontos de ônibus esquisitos, esse negócio de não falar com estranhos e esse apreço por jogar bombas em professores?
E isso nos leva à famigerada lista de livros do vestibular divulgada pela UFPR este ano. Há vários autores do cânone literário brasileiro ali e até alguns contemporâneos (imagina só, tem até escritor que tá vivo!), num claro sinal de quem nem só de prateleiras empoeiradas vive os métodos classificatórios dos acadêmicos paranaenses. Porém, há um ruído bem incômodo pra qualquer um aqui das terra dos pinheirais: na lista de livros da federal paranaense não tem nenhum escritor paranaense. Nenhunzinho, nada, neca de pitibiriba.
Ué, será que a gente comeu tanto pinhão que agora não consegue mais escrever? Nossa identidade é definida só pelo que vem dos vizinhos? Logo a gente que adora andar com adesivo fascista com clamores separatistas? Será que o que define o paranaense é apenas o barreado, os pontos de ônibus esquisitos, esse negócio de não falar com estranhos e esse apreço por jogar bombas em professores? Só isso basta como identidade, não tem nada de relevante na nossa literatura ou no nosso teatro?
É claro que uma lista de vestibular não tem a obrigação de abraçar as letras locais, porém deveria, até por uma questão de bom senso.
Assim como quem escolhe as obras da federal do Rio Grande do Sul deve pensar “Ok, além do Erico Veríssimo, quem mais a gente vai colocar?” era de se imaginar que na escalação do time paranaense o professor colocasse o Dalton Trevisan, o maior contista do país, como titular absoluto e depois pensasse no resto (as Leminskizetes talvez discordem). Mas, porra, nenhum? Se pelo menos o Cristóvão Tezza, o catarinense mais curitibano que existe, estivesse ali, ok, a gente nem chiaria muito.
Se fosse por falta de escritor, vá lá, mas com nomes como Paulo Leminski, Helena Kolody, Luci Collin, Valêncio Xavier, Jamil Snege, Domingos Pellegrini, Miguel Sanches Neto, entre outros, dando sopa por aí? Esse povo todo só serve pra virar nome de rua? Faça-me o favor.
Penso em três razões para que não haja um autor daqui na lista da federal:
1. O juiz Moro ainda não escreveu a sua autobiografia.
2. As questões da prova já estavam prontas em âmbito nacional e aí é foda ter que elaborar novas questões só pra escritor regional. Imagina só, ter que ler esse povo todo e aí pensar numas perguntas difíceis, nossa, simplesmente não dá, ainda mais com tanta série estreando todo dia na Netflix, não tem que dê conta.
3. Essa nem fui eu que pensei, foi a Carla Soares lá no Twitter: “Paraná faz uma força pra não ter identidade que costumo chamar de Paranada”. É isso, não somos gatos de Ipanema, mas somos bicho do mato, tão do mato que escondemos até aquilo de que deveríamos nos orgulhar.
E agora, José? Não tem paranaense na lista, devemos vestir camisetas do Sulito e incendiar obras dos escritores cariocas na Praça Santos Andrade? Talvez não seja pra tanto.
Excetuando as questões simbólicas de identidade cultural, lista de vestibular nem é tão importante assim (pra quem não é livreiro e nem vestibulando, no caso), já que tirando a questão da nota, aquela leitura não servirá para muita coisa além de traumatizar o candidato. Não é impossível, mas acho pouco provável que alguém desperte um interesse genuíno por leitura em meio a uma maratona de provas com tom de Jogos Mortais.
Só lamento, além da falta de bom senso, a falta de oportunidade de apresentar leituras mais variadas. É meio triste ver que em meio a esse estresse e descontrole emocional, os futuros universitários não terão acesso a nem um pedacinho da literatura feita no chão em que eles pisam. Acho uma pena.