Você passa o final de semana assistindo Netflix não necessariamente com o intuito de preencher um vazio mas sim de não dar o menor espaço para uma angústia lazarenta que de quando em quando principalmente nos domingos à noite, embalada pela programação da tv aberta com o relógio enorme do Faustão o arrasta pra mais uma lata de cerveja de dois reais com gosto de mijo ou uma dose de vodca Natasha com suco Maguary e os copos ficam lá imundos na mesa junto com a louça do almoço que você olha sem coragem de lavar enquanto a bateria do notebook cozinha sua perna.
Quando escurece, você desaba num surto ridículo de choro debaixo do chuveiro quente demais num banho que se arrasta por puro medo que você tem de desligar a água e perceber ali no meio daquele vapor que a vida lá fora vai continuar naquele mundo imenso e você faz parte daquela engrenagem insana e imparável e ao esfregar o espelho você poderá enxergar entre os contornos manchados de sua solidão que tudo vai começar novamente na segunda-feira e você ri sozinho quase gargalha do verbo “começar”.
Durante a semana você se alimenta mal dorme mal acorda mal e trabalha porcamente atolado num emaranhado de papéis e planilhas que simplesmente não fazem sentido e que no fundo só escancaram o horror de se sentir assim tão perdido.
Durante a semana você se alimenta mal dorme mal acorda mal e trabalha porcamente atolado num emaranhado de papéis e planilhas que simplesmente não fazem sentido e que no fundo só escancaram o horror de se sentir assim tão perdido enquanto todo mundo nas redes sociais parece saber exatamente para onde vai com foco força e fé e você só consegue perceber que a sua vida não vem dando muito certo pois cada nó de gravata parece um suicídio e não era bem esse futuro que você tinha imaginado quando estava no colégio e a professora elogiou aquela redação de merda que você escreveu na quinta série.
Nessas horas você parte pra leitura compulsiva de uma quantidade absurda de livros e histórias em quadrinhos no sofá na cama no vaso sanitário nos intervalos do trabalho na hora do almoço no ônibus nas filas e as pessoas te observam e comentam olha ele gosta de ler como se você fosse inteligente só por ser alfabetizado e não percebem que no fundo tudo aquilo ali às vezes é de uma tristeza muito doída pois você se sente muito só e perdido com suas ideias fazendo eco numa mente que fica cada vez confusa e sombria pois os dias estão cada vez mais insuportáveis e aí você acha farelos de comida no meio de uma edição da Cosac que custou mais do que a roupa que você está vestindo e sente que isso é engraçado mas também meio ridículo.
E então você constata de forma bem mesquinha que ficar com a cara enfiada nos livros será sempre uma possibilidade de evitar os olhos dos outros os problemas dos outros as conversas insuportáveis dos outros e quem sabe talvez se você parar pra pensar direito essa é até uma chance de escapar de si mesmo evitar lembranças emboloradas e remoer sonhos com prazos de validade vencidos enfim essas coisas todas que você faz em meio à angústia ou no intervalo entre um comprimido e outro pra se sentir mais seguro até que chegue um novo final de semana repleto de possibilidades de compartilhar realizações e conquistas e recomeços e maratonas na Netflix.