“1, 3, 79, 1028, 47, 52, 90, 416, 17. Não pode ser!”.
Mas era. A numeração da Avenida Lontras não fazia absolutamente sentido nenhum e parecia ser impossível encontrar o Afrânio.
Naquela manhã, Alaíde acordou com a musa da faxina no corpo e foi logo se desfazer das tralhas do guarda-roupa enorme que estava montado no porão. Entre calças pantalonas velhas, sapatos, um Pogobol laranja e até um mendigo que morava lá dentro há algum tempo sem que ninguém soubesse (Ludovico, um amor de pessoa, no final das contas), ela encontrou algo surpreendente: uma caixinha cheia de cartas que havia recebido na infância. Todas dele, o Afrânio.
Afrânio era o garanhão da escola. Se hoje dizem que todas as mulheres são loucas, só pode ser ele o culpado: quando passava, as meninas enlouqueciam. Mas por trás de toda aquela pose, só havia olhos para a Alaíde – na época, a Lalá – que, por ironia do destino, era a única que não estava nem aí; toda semana, ela chegava em casa com uma carta de amor do Afrânio na mão, jogava num canto qualquer e ia fazer algo mais importante da vida (como, por exemplo, ouvir Menudo). Mal sabia ela que sua mãe havia pegado cada uma das cartinhas e, com todo o cuidado, guardado numa caixa que, anos depois, estaria no seu guarda-roupa.
Abriu a caixa, espalhou as cartas de quase 40 anos pelo chão e leu uma por uma (em voz alta, a pedido do Ludovico). Eram bem bobinhas, mas tão sinceras que conseguiam gerar expressões como “que fofo”, “olha que belezinha” e outras do tipo.
– Ludovico, acho que eu devo desculpas a esse homem, por ter demorado todo esse tempo para ler suas cartas. A mãe dele ainda deve morar nesse endereço, eu posso perguntar onde ele está, a cidade é aqui do lado. E se eu tiver achado a caixa porque chegou o momento da gente começar uma história?
– Não acho, não, dona Alaíde. Porque, assim, sei lá, porra, quarenta anos, né? É tempo pra caralho. Ele nem deve se lembrar mais da senhora, deve tá casado, ter filhos, verrugas, orelhas grandes, essas coisas aí, nada a ver.
– LUDOVICO, EU VOU MORRER SOLTEIRA, PODE SER MINHA ÚLTIMA CHANCE, PUTA QUE PARIU!
– Calma! Se ser solteira é problema pra você, ainda tem o Tinder. Mas follow your dreams, dona Alaíde. E aproveita pra comprar bolacha recheada, porque a que tinha aqui acabou já faz uma semana.
“1, 3, 79, 1028, 47, 52, 90, 416, 17. Não pode ser!”.
Calma! Se ser solteira é problema pra você, ainda tem o Tinder. Mas follow your dreams, dona Alaíde. E aproveita pra comprar bolacha recheada.
Mas era. A numeração da Avenida Lontras não fazia absolutamente sentido nenhum e parecia ser impossível encontrar o Afrânio. Depois de três, quatro, cinco voltas olhando (sem sucesso) número por número, ela percebeu a maluquice que estava fazendo e pegou o caminho de volta na estrada, rindo sem parar.
Meia hora depois, já em Pato Branco, estacionou no mercado, lotado por ser véspera de Natal. Esperou a música do rádio terminar só para aproveitar mais um pouco daquela maravilha chamada ar-condicionado e, ao sair do carro, aquele susto:
– Lalá? Alaíde, é você?
– Afrânio?