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Home Crônicas Helena Perdiz

Local interditado

porHelena Perdiz
24 de agosto de 2017
em Helena Perdiz
A A
"Local interditado", crônica de Helena Perdiz.

Imagem: Reprodução.

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Naquele dia, todas as pessoas do planeta notaram uma fita amarela no céu, como aquelas colocadas em cenas de crime nas séries, com os dizeres “local interditado” – em cada lugar do mundo, escritos em uma língua.

O acontecimento tomou os noticiários e não se falava em outra coisa; depois de algumas horas de tensão, a face de um homem negro surgiu acima da fita e ficou a observar as pessoas, que o olhavam paralisadas.

– Sim, sou Deus. Esperavam outra coisa?

Em suas línguas nativas, cada ser humano respondeu com alguma expressão que indicava mais ou menos o mesmo que um enorme “puta que pariu”.

– Gente, é o seguinte: fechei o mundo. Não sei se vocês perceberam, mas não estava dando.

Várias pessoas começaram a chorar.

– Eu deixei passar, fiz vista grossa pra várias coisas, mas olha, século XXI já, não dá mais. Marcha nazista, Bolsomito, galera reclamando da coerência de Game of Thrones – gente, é só entretenimento, eu achei que pelo menos com isso vocês não encheriam a minha paciência!

Em suas línguas nativas, cada ser humano respondeu com alguma expressão que indicava mais ou menos o mesmo que um enorme ‘puta que pariu’.

Em Jaguarana, Ceará, uma família inteira dava as mãos enquanto rezava o Pai Nosso.

– E não adianta rezar agora, já tá feito. Se eu não interditar, a coisa vai piorar.

A família toda também se pôs a chorar.

– Tem o Trump, por exemplo. Vocês acham que vai ser melhor parar agora ou continuar com o Trump, pessoal dos Estados Unidos? Não que eu não o ame, amo todo mundo igual, mas alguns eu amo sabendo que vão fazer merda. Então, como Pai, eu preciso tomar uma atitude. Botar de castigo.

“Tenga piedad!”, gritou um espanhol. Israelenses e palestinos se abraçavam.

– Piedade? Mas, gente, quantos anos faz que eu tô tendo piedade? Na Idade Média eu pensava “calma, eles vão evoluir”. Aqui estamos.

Gritos vindos de toda a Terra ecoavam nos ouvidos de Deus.

– Shhhh! Agora o Pai tá falando, vocês fiquem quietinhos e escutem.

Fez-se, pela primeira vez, um silêncio mundial.

– Como todo mundo obedeceu junto e isso nunca tinha acontecido, eu vou dar mais uma chance. Sem falar! Ainda tá na minha vez. Isso.

As pessoas permaneciam olhando para o céu, aterrorizadas.

– Vamos ver se vocês aprendem no susto. Vou dar mais uma semana, se eu souber que um de vocês xingou o irmão, bateu no irmão, desejou o mal pro irmão, deu um tiro na cabeça do irmão, deu golpe no irmão, vai todo mundo ter o mesmo fim. Estamos entendidos?

Várias cabecinhas abaixavam e levantavam sem parar, mostrando que sim, estavam entendidos.

– Então, tá combinado. Vou tirar a fita aqui, espero não ter que colocar de novo. Beijos pra todos, o Pai ama vocês.

O homem e a fita amarela desapareceram do céu. O silêncio permaneceu por alguns minutos, no mundo todo.

Tags: BolsomitocastigoCearácéuCrônicaDeusGame of ThronesIdade MédiaInterditadomundoNazistaPai NossoPiedadeSéculo XXITrump

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