Dez horas.
– Alô. Sim, sou eu, o celular é meu, lembra? Grossa? Por que grossa? Tô normal. Tá bom, tô grossa, vou desligar que tô ocupada. Tchau, Otávio.
Dez e trinta e seis.
– Alô. Sim, Otávio, eu estou brava com você, mas que bom que você percebeu! Quer um prêmio?
Dez e trinta e oito.
– Otávio, é a última vez que eu atendo seu número, tá me ouvindo? Sim, desliguei na sua cara, sim, porque você merece. Fez merda, achou que eu não ia saber e agora fica aí puxando o saco que eu nem tenho. Quê? Não fez merda? Ah, não, você não tá falando isso. Não é possível, Otávio! Eu vi você comendo um hamburgão. Sim, um hambúrguer maior que o universo. Lá mesmo! Não, pode parar com esse papo mentiroso de vegetariano, eu já descobri que você gosta de hamburgão, aceite. Ah, parou! Gosta de hamburgão, sim! Ó, vou desligar de novo, não precisa mais ligar, eu não vou atender.
Treze e nove.
– Alô. Otávio, ligando de outro número? Eu tenho cara de palhaça? Eu devo ter cara de palhaça, você deve me achar muito idiota mesmo. Não, eu não vou deixar você se explicar. Para de falar. Para, Otávio. Otávio! Não quero saber, chega!
“Otávio, é a última vez que eu atendo seu número, tá me ouvindo?”
Treze e doze.
– Para de me ligar!
Dezesseis horas.
– Alô. Outro número, Otávio? Tá de caso com a dona da Vivo? Não, de você eu não duvido nada. Não, eu não quero conversar, nem agora e nem mais tarde, na minha casa você não pisa mais. Não, não vou na sua também, deve tá cheirando hambúrguer até agora. Claro, pode pegar as suas coisas com o porteiro quando você quiser. Oi? Eu fiz isso? Prova que eu fiz isso, então. Não? Então não fala bosta. Nun-ca pisei no Burger King sem ser pra comprar cebola, meu bem. Tá bom, tchau. Eu falei tchau, Otávio, tchau é tchau. Chega. Otávio, chega. Vou desligar. Não precisa, tchau. Porra, Otávio, tchau.
Dezoito e trinta e dois.
– Eu não sei porque eu continuo atendendo você, Otávio, mas eu juro que essa é a última vez. Sim, fale. Sim, tô ouvindo, pode falar. Aham. Aham. Tá. Sim, acredito. Aham, acredito bastante. Entendi. Uhum. Ok. Como irônica? Tô só ouvindo você, você sabe o que é ironia? Sim, tô concordando. Sim. É. Ah, tá. É mesmo. Mas eu tô dando a chance de você se explicar! Você tá se explicando, não tá? Tá, sim. Não, eu não acreditei em uma palavra, mas dei a chance de você se explicar. Acabou? Tá, fala. Uhum. E agora, acabou? Então, tá, agora sim: não precisa mais me ligar, a gente não tem mais nada, é oficial. Ah, não, depois de tudo isso eu não vou ouvir chiliquinho, tchau.
Vinte e duas e dez.
– Alô. Oi, Otávio. Sim, eu resolvi ligar pra você. Não me arrependi, é que eu percebi que preciso de você pra viver, com ou sem hamburgão. Por que vergonha? Não tenho vergonha de falar isso, é a verdade, ué. Sim, eu preciso de você. Preciso, sim. Aham, preciso muito e, na verdade, preciso agora. Sim, só venha aqui, mas venha rápido, por favor. Exatamente isso que você ouviu, eu preciso de você agora, com sinceridade. Imediatamente. TEM UMA BARATA, OTÁVIO! Eu não posso dividir a casa com esse monstro maior que eu, você sabe que não tem como, por favor, você me conhece, você sabe mais que qualquer pessoa. Por favor! Tá bom. Tá. Vou esperar na portaria, amo você. Outro.