– Você ainda não virou crente, né?
A avó pergunta, hoje em dia é preciso perguntar, porque está todo mundo virando crente, e ela quer dar à minha mãe uma imagem de Nossa Senhora de Fátima e outra do Pai Eterno, mas se por acaso a minha mãe tiver virado crente o presente perde todo o sentido. Minha avó é profundamente católica, daquelas que já viajaram mais de uma vez para Aparecida e para Nova Trento, a terra da Santa Paulina. Mas não é provável que apresentasse alguma objeção se minha mãe tivesse mesmo virado crente. Um de seus filhos já virou, ele e toda a sua família, e a conclusão da minha avó foi a seguinte: “Pelos menos vão à igreja, não estão por aí fazendo coisa errada”. Por outro lado, outro dos meus tios não aceita conviver com crente na família. Depois de tanto implicar com o irmão, minha avó deu a ele um ultimato: “Se você continuar perturbando, eu também vou virar crente”. Aí ele sossegou…
Mas minha mãe não virou, ainda não. E segundo ela nem vai virar, só que essas coisas não dá para garantir, ninguém imaginaria que meu tio um dia virasse. Antes, se alguém viesse falar coisas de crente para ele, era capaz até de sair briga. Não que fosse grande católico, ele nem mesmo pensava na existência de algo sobrenatural. Acontece que tudo o que um crente tivesse a falar entraria em conflito com o modo de vida que levava. Era dono de um bar, vivia participando de campeonatos de baralho e não parecia levar muita coisa a sério nessa vida. Por isso é tão estranho quando vemos o seu Facebook cheio de mensagens cristãs, e não resistimos a uma brincadeira quando o encontramos, saudando-o como Pastor. “Amém”, ele diz.
E começa a imaginar como seria bom se ele fosse mesmo pastor, principalmente em comparação com a sua antiga vida: “Eu vendia pinga, arruinava tanta família…”. Pergunta qual é a minha igreja, digo que é a Batista, e ele reflete que são todas parecidas. Para ele, Deus não olhará para a igreja de cada um, mas diretamente para a pessoa – é ela, e não a sua igreja, que subirá ao céu. Mas já assistiu a várias pregações da Batista, eu pergunto em que canal passa isso e ele responde que é no computador mesmo – é assim que ele passa o seu tempo livre. Como diz aquela citação, a boca fala daquilo que o coração está cheio.
Meu tio não tem uma visão astrofísica de Deus, não se sente ameaçado pela Teoria da Evolução. Aceita com simplicidade o relato do Evangelho e tenta colocar em prática.
Quer saber se eu já tive uma experiência com Deus e então me conta a sua. Foi conversando com uma amiga na Internet, ela dando seu testemunho de vida, e de repente meu tio começa a chorar, sem saber o motivo, e vai se esvaziando de toda mágoa que carregava dentro de si, e sente uma vontade doida de abraçar a todo mundo. Ele tem consciência que não pode convencer ninguém com o seu relato: “Vão dizer que é coisa da minha cabeça…”.
Na verdade, ele não tenta convencer ou impor a sua religião, diz que Deus sabe o momento certo de cada um. Para o resto de sua família veio antes, primeiro as filhas, depois a esposa. Entro na casa deles, participo de uma divertida conversa sobre as diabruras que cada um cometia na infância. Devo dizer que nunca tive conversa tão boa com eles. Minha tia, que um dia, quando eu era pouco mais que uma criança, me ofereceu um cigarro, é quem fala agora: mesmo as batalhas do dia-a-dia ficaram mais fáceis depois que conheceu Jesus. Antes ela não lia a Bíblia, lia jornal, essas coisas, mas não a Bíblia, e hoje ela já leu a Bíblia todinha. Mas não é só ler, é ler e procurar entender, orar por discernimento. Ela fala com vivacidade.
O tio me pergunta se eu continuo acompanhando futebol. Esse sempre foi um assunto entre nós, mas hoje nem ele nem eu nos interessamos muito. Outro dia ele se surpreendeu ao descobrir que o seu Palmeiras era líder do campeonato. Há coisas que perderam a importância para ele. Não dá muita atenção ao jornal, quer ficar longe das tragédias. E faz sentido, do contrário não conseguiria manter essa paz de espírito. Meu tio não tem uma visão astrofísica de Deus, não se sente ameaçado pela Teoria da Evolução. Aceita com simplicidade o relato do Evangelho e tenta colocar em prática. Não parece preocupado com a sua prosperidade. Dá o dízimo todo mês e acha graça se falam que os pastores ficam ricos com isso: “O nosso lá, se a gente não ajudar, capaz de nem ter o que comer…”.
Outro dia ele decidiu visitar uma tia dele, já velhinha, quase centenária, cega, meio surda. Os parentes dela diziam que não valia a pena, a velha sequer iria reconhecê-lo. Mas ele quis ir mesmo assim, porque acreditou que visitar uma velhinha, esquecida em sua cama, era o tipo de coisa que se esperaria de um cristão. Foi lá, passou um momento com ela, conversou um pouco, fez uma pequena oração e foi embora – a velha, é claro, reconheceu-o.
E quando nós mesmos terminamos a nossa visita, meu tio observou, divertido: “Quer dizer então que vocês vieram ver a casa dos crentes?”. E nos deu um abraço de que nunca o julgaríamos capaz… Foi bom, pois, o nosso encontro. Teremos outros – isso, se Deus quiser e Jesus não voltar.