Toca a campainha. Provavelmente é a vizinha querendo conversar com a minha mãe. Ela sabe, ou devia saber, que a minha mãe não está em casa, não em um dia de semana como hoje. Se eu atender, fica aquela coisa chata, “a sua mãe está aí?”, “não está”, e os dois olhando um para a cara do outro sem saber o que fazer ou dizer em seguida, pois comigo é que ela não vai conversar, vê lá se eu gosto de conversar.
Bem, pode ser que seja um vendedor, volta e meia aparece um vendedor por aqui e normalmente é uma pessoa do prédio mesmo, em busca de grana extra. Não gosto de vendedor, não que eu tenha algo contra as pessoas, é que eu apenas me sinto culpado ao dizer que não quero as coisas que me oferecem.
E se for algum aviso da administração, alguma coisa sobre falta de água ou de luz? Para isso, existe o interfone, mas houve um dia em que uma mulher passou de apartamento em apartamento para avisar que não teria água durante a tarde e eu não soube, porque não atendi a campainha. Demorei demais pensando na possibilidade de ser a vizinha ou um vendedor e, nisso, a mulher que havia vindo apenas para passar um aviso se cansou e foi embora. Por via das dúvidas, é melhor eu ver do que se trata agora.
Abro a porta. Vejo uma, duas, três, quatro, ah, meu Deus, elas não acabam mais, cinco menininhas magrinhas, ali pelos seus 10 anos de idade, se tanto, todas usando as máscaras contra o vírus. Essa visão me surpreende, mas é provável que não mais do que a delas ao ver um homem, se tanto, desengonçado e com cara de nerd, barba por fazer… Por sorte, havia já trocado o pijama por uma roupa um pouco mais apresentável, mas nem por isso se pode concluir que o conjunto fosse de algum modo agradável. Não há dúvidas, as menininhas contavam que aparecesse uma boa e simpática dona de casa, e não isso daí.
Vejo uma, duas, três, quatro, ah, meu Deus, elas não acabam mais, cinco menininhas magrinhas, ali pelos seus 10 anos de idade, se tanto, todas usando as máscaras contra o vírus.
Elas se entreolham. A minha aparição fez com que desaparecesse todo o ânimo que tinham ao ir de porta em porta no prédio. Uma diz para outra: “Fala você”, “Não, fala você”. Estão disputando para ver quem vai falar com o nerd barbado que apareceu. Ah, como eu sinto não ser uma doce menina como vocês, tudo seria mais fácil, para vocês e para mim.
Então uma delas, não vendo escapatória, toma para si a missão e começa a falar sobre pulseiras. São pulseiras o que elas têm a me oferecer, agora vejo. A menina descreve a composição, as cores, o uso, todas as virtudes daquelas pulseiras, que eram muitas. Elas têm pulseiras para todos os gostos e ocasiões, tem as pulseiras de 10 reais e tem as pulseiras de apenas 2.
Vou ouvindo, mas às vezes ergo o olhar para observar aquelas menininhas assustadas. Talita, a minha filha, seria assim, se um dia ela nascesse. Por que será que essas crianças precisam do dinheiro? Eu poderia perguntar, mas temo que isso cause mais constrangimento para elas. A verdade é que eu não sei comprar pulseiras, nunca comprei ou precisei de uma, o que vou dizer quando ela terminar de falar?
A menina conclui, é chegada a minha vez de pronunciar doutos e sábios juízos a respeito do que elas estavam a me oferecer. Naturalmente, resolvo fugir do problema, passá-lo para uma instância mais qualificada. “Vocês passem mais tarde, porque aí a minha mãe vai estar aqui e vai saber escolher”, digo.
Elas dizem “uhum, tá bom”, muito aliviadas por aquilo tudo finalmente ter terminado, e partem para o próximo apartamento. Tomara que tenham mais sorte desta vez, tomara que nenhum homem estranho apareça à porta para atendê-las.
Evidentemente, nunca mais apareceram aqui.