Um dos maiores sucessos da carreira de Billie Holiday, diva absoluta do jazz, “Glad to Be Unhappy” é um hino atemporal (e agridoce) à “sofrência”, substantivo recém-criado pelo nossa sempre inventiva língua portuguesa, que veio ao mundo para rebatizar a boa e velha dor de cotovelo. Na canção, escrita pela dupla de geniais compositores norte-americanos Lorenz Hart e Richard Rodgers, a voz da cantora verte uma miríade de sentimentos, alguns contraditórios, ao assumir que se sente “feliz em estar infeliz”. Mas com o coração dilacerado, ainda que também destilando certa ironia e escárnio.
Em outro de seus clássicos absolutos, “I Get Along without You Very Well”, de Hoagy Carmichael e Jane Brown, Billie estraçalha os mais sensíveis como de hábito: “Eu esqueci de você, como eu deveria, é claro que eu esqueci / Exceto quando ouço o seu nome, ou a risada de alguém que é a mesma da sua”.
Sofrer de amor, quem nunca?
Neste arremate de 2015, um ano dos anos mais doídos da história recente em vários sentidos, a sofrência anda bastante em alta. O jornalista e escritor Ruy Castro está lançando, pela editora Companhia das Letras, A Noite do Meu Bem, espécie de prequel de seu best seller Chega de Saudade, livro-reportagem no qual conta a história da bossa nova, passando com especial atenção pelas trajetórias de dois de seus protagonistas, Tom Jobim e João Gilberto.
Em seu novo livro, Castro reverte um pouco o curso dos ponteiros do relógio, e resgata o samba-canção, gênero musical que cantava, para deleite dos românticos mais masoquistas, histórias de corações destroçados. O título da obra se remete à linda de doer composição de Dolores Duran, cuja letra termina com os seguintes versos: “Eu já nem sei se terei no olhar / Toda ternura que eu quero lhe dar.”
Haja dor!
Toda essa sofrência, também presente no “mundo que caiu e a fez ficar assim” da compositora e intérprete Maysa, dona de olhos que pareciam, segundo o poeta Manoel Bandeira, “dois oceanos não pacíficos”, encontra certa consonância nas canções da onipresente britânica Adele. Seu terceiro álbum, 25, lançado na última semana, está quebrando recordes da indústria fonográfica, apostando em canções do amor demais, como diria Tom Jobim em um de seus clássicos, gravado por Elizeth Cardoso no fim dos anos 1950.
Toda essa sofrência, também presente no ‘mundo que caiu e a fez ficar assim’ da compositora e intérprete Maysa, encontra certa consonância nas canções da onipresente britânica Adele.
Em um dos versos de “Hello”, já um mega hit planetário, a inglesa, também dona de olhos de ressaca, canta, com a voz embargada: “Eu esqueci como era antes do mundo cair aos nossos pés”. Será que ela andou ouvindo Maysa?