Faz muitos anos que não recebo uma carta pessoal. Nem lembro qual foi a última ou quem a escreveu.
Hoje, quando me ponho a digitar uma mensagem para alguém, tenho quase certeza de que ela será lida em questão de horas. Dias, no máximo, caso o destinatário esteja desconectado, em férias digitais.
Sinto falta da espera pela resposta para as cartas que escrevia. Dos envelopes endereçados a mim em uma outra caligrafia, com selos colados, muitos deles coloridos, às vezes de outros países.
Essa combinação fazia com que eu me sentisse de alguma forma especial, único. E a expectativa por ler frases feitas à mão, materializadas na letra de quem havia tirado um tempo para se sentar e me escrever, era uma sensação de ter minha existência atestada, reconhecida em forma de papel e tinta.
Hoje tenho de fechar os olhos, me concentrar, para tentar resgatar o que significava ter uma carta fechada nas mãos, cheia de promessas. É um sentimento que parece ter se perdido.
Quando penso nele, me vem à cabeça “Please, Mr. Postman”, sucesso nos anos 60 em gravações do grupo The Marvelettes, lançado pelo lendário selo Motown, e também pelos Beatles, quando o quarteto dava seus primeiros passos. Mas a versão para mim inesquecível é dos irmãos Carpenters, registrada em 1974. Quando eu ainda era criança e nem recebia cartas.
A letra, grudenta como uma canção pop deve ser, na verdade era a súplica a um carteiro por uma missiva de amor, um cartão que fosse, que nunca chegava, condenando a meiga vocalista do grupo a uma espera eterna.
Hoje tenho de fechar os olhos, me concentrar, para tentar resgatar o que significava ter uma carta fechada nas mãos, cheia de promessas. É um sentimento que parece ter se perdido.
Eu gostaria de escrever uma longa carta hoje. Em um punhado de folhas de papel, nas quais eu conseguisse fazer caber tudo que se passa pela minha cabeça. Contar, sei lá, como tem sido minha vida. Narrar meu cotidiano, e transformár em frases que não pudessem ser apagadas, mas sim amassadas e jogadas em um cesto de lixo, a sensação de ter chegado à metade da vida.
Cartas são grandes mapas. Nelas esboçamos rotas de navegação, ao deixar, materialmente, pegadas do que andamos fazendo e sentindo. Em um e-mail, ou em uma mensagem trocada num chat, quase tudo pode ser dito, e mesmo que fique lá, registrado, está fadado a um certo esquecimento inevitável, decorrente da imaterialidade virtual.
As palavras se empilham em diálogos que nem sempre aproximam, de tão monológicos. Conheço pessoas que se falam há meses sem nunca terem se visto. (Há, confesso, algo de belo nisso. O mistério esconde a promessa do que não aconteceu. Ainda. Ou jamais.)
As cartas, pela concretude do contato da tinta com o papel, guardam em si um tipo de humanidade que hoje parece remoto e doce, como a voz de Karen Carpenter.
Eu ainda me pego, vez ou outra, a ouvi-la com um misto de nostalgia e desejo que os envelopes voltem um dia a chegar por baixo da porta.