Ele se senta diante do computador, abre um documento do Word em branco e permanece durante dez, vinte minutos, quase uma hora em silêncio, à espera da inspiração que não vem. Digita e apaga palavras, frases inteiras. Nada parece fazer muito sentido. Há tantas histórias cuidadosamente estocadas em sua cabeça, enredos que poderiam ser transformados em contos, talvez até em romances, se fosse mais insistente, mas ele hesita, e recua. Falta-lhe o impulso de, cuidadosamente, retirar uma daquelas tramas imaginadas da prateleira, para transformá-la em narrativa, em algo vivo, fluído, não esquemático, que provoque em seus leitores o desejo de ler.
Escrever para ele, desde menino, sempre teve um bocado de instinto, de vontade incontrolável. Todas as vezes nas quais tentou, racionalmente, produzir um texto, as frases vinham anêmicas, desprovidas de pessoalidade, e claudicavam, arrastando-se pelos parágrafos.
Neste dia, ele se sente um pouco assim: sem energia, cansado sem que nada tenha feito para se sentir assim, imerso nesse estado de dormência mental,
Ele olha através da janela e vê a rua deserta, calma. Os paralelepípedos refletem a luz de início de verão e ele se diverte ao perceber que não há pessoa alguma à vista. Imagina que, talvez, esteja completamente sozinho no mundo, e não tenha se dado conta disso. Por alguma razão, sobrou apenas ele, e tudo que seu olhar agora alcança agora é inteiramente seu. Só que esse poder não lhe serve para absolutamente nada.
Ele olha através da janela e vê a rua deserta, calma. Os paralelepípedos refletem a luz de início de verão e ele se diverte ao perceber que não há pessoa alguma à vista. Imagina que, talvez, esteja completamente sozinho no mundo, e não tenha se dado conta disso.
Levanta-se da cadeira, abre as portas da sacada e também não ouve carros se aproximando, ou algum rádio ligado. Será que sua fantasia apocalíptica não é tão absurda assim? Esforça-se e, finalmente, percebe o canto de um pássaro, distante, mas límpido, e se pergunta: “Será que esse som não vem da minha própria cabeça e essa ave não existe? Talvez eu a inventei para não me sentir tão só.”
Ele fecha os olhos e tenta imaginar o passarinho, seu tamanho, a cor de suas penas, os movimentos do pequeno corpo no galho de uma árvore florida, como várias outras em sua vizinhança. Logo ele se dá conta de que o bicho está nervoso diante de um ninho vazio. Seus filhotes, que ali estavam até agora pouco, não estão mais lá. Quem sabe uma lufada de vento os derrubou.
Então, sem pensar ele sai correndo em direção da porta do apartamento, abre a fechadura e, quando percebe, está descendo, quase a correr, os degraus da escada que levam ao térreo. Abre a porta de vidro do prédio, depois o portão de ferro, e chega à calçada. Olha ao redor, e decide subir a quadra até um jardinete. Para sua surpresa, os filhotes estão caidos perto das raízes da árvore que já havia imaginado. E o canto que pensou ouvir não é mais uma quimera. Quase conseguiria tocá-lo se não fosse um som.
Quando pega uma das minúsculas aves nas mãos, ele percebe que não está mais só. Vê um dos vizinhos dobrar a esquina e cumprimentá-lo. Ele lembra que deixou o computador ligado, o documento em branco aberto, mas decide não voltar, e prefere tentar subir no muro do prédio e alcançar o galho que sustenta o ninho.