Fernanda Montenegro faz 90 anos em 16 de outubro. É um imenso privilégio para nós, brasileiros, vivermos em um país que tem como um de seus maiores tesouros a arte dessa grande atriz. No último sábado, assisti a uma versão restaurada de Central do Brasil, comemorativa ao 20.º aniversário de seu lançamento, e, quando cheguei ao desfecho da trama, quando Dora deixa para trás Josué (Vinicius de Oliveira) no sertão de Pernambuco, em companhia dos irmãos mais velhos, pedindo ao garoto que não a esqueça, porque tantos já o fizeram, meu coração apertou. Eu nunca quero esquecer de Dora, muito menos de Fernanda.
Quando vi o longa-metragem de Walter Salles pela primeira vez, em 1998, eu tinha um pouco mais de 30 anos, e sua estrela se aproximava dos 70. Vencedora do Urso de Prata de melhor atriz no Festival de Berlim por sua interpretação antológica, ela receberia inúmeros prêmios internacionais ao longo daquele ano e, em 1999, uma indicação histórica ao Oscar – muito poucos atores cuja língua-mãe não é o inglês já disputaram a estatueta por filmes falados em seu próprio idioma. Fernanda não venceu, mas isso não importa porque nós a temos entre nós, como uma espécie de lembrete de quem somos culturalmente, de que temos de quem nos orgulhar .
Enquanto revia, hipnotizado, Central do Brasil, uma ideia me vinha à cabeça: como a cultura é importante para um país. Um filme, uma atriz, uma paisagem e seus símbolos são tão legitimadores porque nos explicam e traduzem. Lembram quem somos e os caminhos que já percorremos, nos conduzindo a nós mesmos. Talvez por isso que foi inevitável para mim, naquele momento, constatar como o Brasil que eu quero para mim não precisa de figuras como Neymar e, aqui, não me refiro a seu futebol, mas ao que o jogador representa como brasileiro.
Enquanto revia, hipnotizado, Central do Brasil, uma ideia me vinha à cabeça: como a cultura é importante para um país. Um filme, uma atriz, uma paisagem e seus símbolos são tão legitimadores porque nos explicam e traduzem. Lembram quem somos e os caminhos que já percorremos, nos conduzindo a nós mesmos.
Há algo perturbador no homem que muitos ainda insistem em chamar de menino, no que considero uma estratégia para justificar seus recorrentes erros, atribuindo-lhe uma imaturidade já fora de lugar, insistente, que a essa altura disfarça uma índole talvez duvidosa. Neymar, me parece, é hoje uma encarnação repaginada de um velho mito brasileiro: Macunaíma, o herói sem qualquer caráter, criado pela genialidade do escritor Mario de Andrade como personificação de um certo brasileiro, tão indolente quanto oportunista em sua teimosia em nunca assumir responsabilidade por seus erros, protegido pelas vantagens conferidas por um dom que parece não merecer possuir.
Neymar fez 27 anos em 5 de fevereiro. Não é mais, portanto, um menino.
Em Central do Brasil, Dora, personagem de Fernanda, empreende uma longa jornada de redenção. Inicia o filme no terminal ferroviário carioca escrevendo cartas para analfabetos e raramente as coloca no Correio. É solitária, amarga e, por isso, não se importa com a dor dos outros. Ela só vai se reconectar com sua humanidade quando Josué atravessa seu caminho, a tirando da rota do desamor. Levar para casa o garoto, que perde a mãe sob as rodas de um ônibus, lhe devolve a alma. Essa jornada é um mergulho no Brasil profundo, e é a grande beleza do filme, porque de certa forma redentora. Em um país de Doras, Josués e Neymares, é preciso acreditar na redenção. Sempre.