Ele era um sujeito de bom coração, mas quem o conhecia mais de perto sabia que sempre teve medos, alguns bem evidentes, outros nem tanto. O maior deles era o de “pagar de otário”, e ser tripudiado por suas boas intenções, pelo excesso de sensibilidade e, principalmente, pela vontade de ser aceito. Então, ele começou a elaborar, meio sem querer, como se fosse um mecanismo de defesa inconsciente, uma persona que o tornasse menos vulnerável.
O cara gente boa que sentava no meio fio para chorar de amor, depois de umas cervejas a mais na cabeça, e estava sempre disponível para ajudar amigos em geral menos leais do que ele, foi ressurgindo, transmutado. A principal arma dessa nova identidade, aparentemente mais segura de si, à vontade no mundo e autoconfiante, foi o cinismo. Ele agora fere antes de sofrer o golpe. Ri, para não chorar.
O cara gente boa que sentava no meio fio para chorar de amor, depois de umas cervejas a mais na cabeça, e estava sempre disponível para ajudar amigos em geral menos leais do que ele, foi ressurgindo, transmutado. A principal arma dessa nova identidade, aparentemente mais segura de si, à vontade no mundo e autoconfiante, foi o cinismo.
Culto, ele sempre gostou de ler, e de acumular referências, uma armadura de autodefesa que construiu ao longo da vida. Consegue colocar todo esse repertório, acumulado desde sempre, a serviço de uma espécie de plano de vingança, nem sempre calculado, mas algo evidente para quem o conhece de outros tempos. Sim, porque tenho cá comigo que o cinismo, mais do que uma filosofia de vida, é acima de tudo uma postura reativa diante de dores que não se assumem. Ser cínico, temo admitir, é, sim, uma alternativa para quem antes se digladiava com a vulnerabilidade.
Às vezes, eu o imagino, simbolicamente é claro, afiando em casa suas lâminas com esmero, preparando-se para embates reais, mas também imaginários. São frases de efeito, posts explosivos, comentários pontiagudos e perfurantes, acompanhados sempre de uma performance blasée, aparentemente indiferente a tudo e a todos. Sem esquecer jamais de um indefectível sorrisinho no canto da boca. Ele evita, afinal, qualquer tipo de afetividade mais espontânea: é sua kryptonita, capaz de lhe drenar as forças e tornar visíveis suas fragilidades nunca resolvidas.
O Super Cínico, mais do que uma pessoa em particular, é um tipo contemporâneo bastante presente no nosso cotidiano. Quem não conhece um? Ele me assusta às vezes, porque se multiplica, formando uma incômoda liga de anti-heróis que se retroalimentam para se sentirem mais fortes, enquanto fogem da impotência, da dor e delícia de serem o que são, lá no fundo.