Há pouco mais de três anos, publiquei uma crônica sobre um embate atemporal, porque profundamente humano. Abria o texto, falando de um amigo, que à época chegava aos 30 anos, um tanto desiludido. Em uma mesa de bar, todo sério, compenetrado mesmo, disparou na lata, com os olhos tristonhos: “Acho tão bonito isso de ser romântico. Mas hoje em dia não dá mais, não. Ficou cafona.” Ri, com um misto de empatia e incredulidade, mas procurei dissimular essa reação.
O tom quase solene, porém, algo hesitante e desacorçoado do rapaz, me fez parar para pensar. Embora a toada definitiva, sem esperanças até, de suas palavras me fizessem cócegas por dentro, eu soube manter o semblante sério, em respeito à dor que parecia movê-lo. Não estava a duvidar dele, ou do fatalismo contido em suas palavras, mas da sua tentativa, por meio da racionalidade forjada em seu discurso, de querer se vacinar contra algo sobre o qual nenhum de nós tem lá muito controle.
Por isso revisito meu próprio texto. Esse mesmo amigo, soube por estes dias, hoje está feliz, vivendo um grande amor do outro lado do continente sul-americano, no Chile. Mordeu, felizmente, a própria língua. Seu ceticismo, e uma certa ironia que sempre o acompanhavam, parecem ter se dissolvido nas águas do Oceano Pacífico.
Está certo, como já disse no meu texto da época, o romantismo, como forma de enxergar o mundo, pode ser uma espécie de atalho quase infalível para uma derrapada já na primeira curva da estrada de Santos, ou para Valparaíso. E continuo defendendo a tese de que o cinismo, a ironia e a contenção dos sentimentos parecem estar mesmo no topo da lista do manual de instruções daqueles que desejam um voo sem as turbulências da pessoalidade e do risco. Há quem prefira viver a vida assim mesmo, sem aventuras, em velocidade de cruzeiro. Seguro de que chegará incólume ao destino. Mas quase sempre não chegam a lugar algum.
Essa receita parece ser possível de ser concretizada aos olhos dos que desejam “se poupar” de dissabores e contrariedades, seja lá o que isso queira dizer na prática. Mas também há quem seja sentimental. Não por escolha, mas por vocação.
Por isso revisito meu próprio texto. Esse mesmo amigo, soube por estes dias, hoje está feliz, vivendo um grande amor do outro lado do continente sul americano, no Chile. Mordeu, felizmente, a própria língua. Seu ceticismo, e uma certa ironia que sempre o acompanhavam, parecem ter se dissolvido nas águas do Oceano Pacífico.
Fazer uma tempestade caber em um copo d’água, ou transportar um elefante, asiático ou africano, no interior de um fusca, são, repito com as mesmas palavras de meu texto, missões impossíveis para o sentimental. Assim como convencê-lo a adequar o turbilhão emocional, o arrebatamento em que vive, à cadência morna e monocórdia de uma realidade regida pela razão – não me entendam mal, não estou aqui a proferir um discurso em defesa de um ser em constante estado de autoengano, desprovido de bússolas, mas de alguém cujo Norte é, por natureza, sensível. E meu amigo, cético e descrente que era, agora, do alto de seus 33 anos, concorda comigo.
Talvez por isso que seja tão difícil para uma pessoa que se defende do mundo por meio do ceticismo e da ironia suportar os revezes do convívio com o sentimental, mais sujeito às chuvas e às trovoadas da realidade, e que, por vezes, até busca essas intempéries para encontrar um certo sentido na vida. Por mais que se disfarce, e oculte de muitos essa sua condição.
O irônico e o sentimental não são seres, necessariamente, incompatíveis, e às vezes, até por conta dos contrastes, das diferenças que os separam, acabam fazendo bem um ao outro. Equilíbrio de forças, isso se chama. Sem falar naqueles – e não são poucos – que sofrem de uma certa bipolaridade, e oscilam entre a passionalidade e a razão, por vezes no mesmo dia.
Se ser romântico ficou cafona ou não, isso eu já não sei, ou nunca soube, mas suspeito de que duvidar do amor também seja. Lá do Chile, ele me pergunta, em uma mensagem inbox, no Facebook, quando lhe conto que vou revisitar o texto que escrevi sobre ele:“Eu disse isso mesmo? Credo!”.
De novo, eu rio. Agora de felicidade, por ele e por mim. Talvez eu seja um dos últimos românticos, dos litorais desse Oceano Atlântico.