Há algo muito tentador em não fazer planos. Nem que seja por um curto período de tempo.
Se o passado pode ser, para muitos, um fardo difícil de carregar, e acaba lotando os consultórios de psicoterapeutas e analistas mundo afora – e isso na melhor das hipóteses –, ter a obrigação de pensar no futuro pode ser tão estressante quanto lidar com essa bagagem toda. Ainda mais que, com frequência, não sabemos ao certo o que há no interior dessas malas que somos forçados a carregar de lá para cá.
Outro dia, caminhando meio sem rumo pelo centro de Curitiba, me flagrei imaginando como seria bom se a ideia de um porvir me abandonasse por um tempo. Se, por um acidente neurológico, ou um passe de mágica só viável no âmbito da ficção, minha cabeça passasse a apenas se importar com o presente.
É óbvio que isso não seria possível.
Projetar o que vamos (ou desejamos) viver pela frente é inerente à natureza humana, mas por vezes tenho a sensação de que o hoje é mero detalhe transitório entre experiências já vividas – amores, perdas, frustrações e triunfos –, muitas não superadas, e a possibilidade concreta de tudo vir a acontecer de novo. Ou não.
“Estudos sobre obras literárias e filmes cujas ações se passam em um futuro, mais ou menos distante, são quase unânimes na constatação de que todas as projeções tomam como base inquietações do presente.”
Enquanto isso, nos equilibramos com um pé lá e outro cá, em uma eterna tentativa de não cair da corda bamba. O presente acaba sendo o fio da navalha. Sempre afiado e enganador.
Estudos sobre obras literárias e filmes cujas ações se passam em um futuro, mais ou menos distante, são quase unânimes na constatação de que todas as projeções tomam como base inquietações do presente. Exemplo disso é o romance 1984, clássico futurista e distópico do escritor britânico George Orwell, publicado em 1949, como uma espécie de reação e libelo contra regimes fascistas e autoritários, sob o efeito das feridas ainda muito abertas pela Segunda Guerra Mundial.
Diante do trauma do nazifascismo e do fortalecimento do modelo stalinista e totalitário na União Soviética, ou do capitalismo sem freios dos Estados Unidos, Orwell imaginou uma sociedade destituída de individualidade, na qual o Estado tudo pode e sabe. O futuro, enfim, o atormentava. E também era uma forma de entender melhor o presente, que acaba sendo um tipo de sonho muitas vezes apenas compreensível, quando muito, a posteriori.
Divagações à parte, confesso que há poucas coisas na vida mais prazerosas do que caminhar sem rumo. Apenas ser. No infinitivo. Sem pretérito ou futuro.