Ando com saudades do século 20. Tenho percebido em mim sintomas desses surtos de anacronismo (será que é doença?), de relativo descompasso, e talvez até de certa irritação com o presente. Isso não chega a me perturbar, porque tenho plena consciência de que o tempo passa e não volta mais. Mesmo! Essa irreversibilidade é definitiva. Só nos resta aceitá-la, e seguir em frente: não há outra direção possível. Mas, digo aqui, sem muito pudor, que às vezes sinto falta de um mundo mais analógico, e parecido com o que vivia antes do início deste milênio.
Em uma conversa de família no último fim de semana, falávamos à mesa de almoço sobre os efeitos colaterais da comunicação virtual: concluímos, sem muito esforço, que todos têm se visto bem menos, marcado menos cafés e almoços, e os encontros rarearam, desde que todos passaram a se falar quase todos os dias via celular por meio de aplicativos e redes socais que podem, sim, ser muito úteis, encurtar distâncias em momentos de urgência, mas também nos dão a falsa sensação de estarmos próximos uns dos outros, sem o olho no olho.
Também sinto falta de fazer meus périplos a pé pelas livrarias e lojas de discos do Centro de Curitiba. Às vezes iniciava esses itinerários nos sebos da Rua Emiliano Perneta e terminava duas, três horas mais tarde na Livraria do Chaim, lá atrás do prédio de Reitoria da Universidade Federal do Paraná, na General Carneiro. Sempre com uma parada obrigatória na Savarin Discos, que ao longo das décadas passou por muitos endereços, entre a Saldanha Marinho, a Doutor Muricy e a Ébano Pereira, onde ainda sobrevive bravamente como loja de CDs e DVDs musicais usados.
Uma parte substancial da minha discoteca, de vinis (entre eles, “A Boy with a Thorn on His Side”, bolachão do single dos The Smiths, com Truman Capote na capa, que me apresentou à banda de Manchester), já desfeita ao longo dos anos, e CDs, que ainda resiste à falta de espaço físico, veio da Savarin, de onde quase nunca saia de mãos abanando. Sempre muito bem atendido, por funcionários que conheciam meu gosto (eclético), e me avisavam quando algo novo chegava, especialmente trilhas sonoras de filmes. Desapegar dessa pessoalidade não é tão fácil assim. O cotidiano ficou mais frio, impessoal, e ela lateja na memória, “como uma fisgada no membro que já perdi”.
Também sinto falta de fazer meus périplos a pé pelas livrarias e lojas de discos do Centro de Curitiba. Às vezes iniciava esses itinerários nos sebos da Rua Emiliano Perneta e terminava duas, três horas mais tarde na Livraria do Chaim, lá atrás do prédio de Reitoria da Universidade Federal do Paraná.
Também fico triste ao ver videolocadoras fechando as portas, reduzindo seus acervos, ficando acanhadas, como decorrência das transformações tecnológicas, quase todas muito positivas, admito, mas que não deveriam ser tão excludentes, implacáveis. As locadoras são (ou eram), assim como livrarias, sebos e lojas de discos, espaços de convívio, de troca, onde o gosto de um esbarrava com o do outro, e uma espiadela no gosto alheio sempre acrescentava algo ao nosso. Sociabilidade, isso se chama. E vasculhar acervos com os dedos, em vez de digitar títulos no teclado frio do computador, sempre me deu o enorme prazer de ser surpreendido.
Esse “bode” com o tempo presente é intermitente, indo e vindo dependendo do dia, e é inerente à situação ao processo de envelhecer, o que me torna possivelmente um pouco mais chato, vulnerável. Analógico, de certa maneira.