Curitiba é uma cidade excêntrica. Ao longo da última década, por conta da vontade de muitos de ocupar espontaneamente espaços públicos, a às vezes sisuda capital paranaense tornou-se uma inesperada sede do reino de Momo nas semanas que antecedem o carnaval. No sábado passado, o temperamento oscilante, algo caprichoso, da terra das araucárias, fez-se ainda mais presente. Ao mesmo tempo em que o Bloco Brasilidades realizava seu animadíssimo esquenta nas Ruínas de São Francisco, para depois percorrer o Centro Histórico, o maçarico que fazia todos presentes suar em bicas, de repente cedeu aos apelos de Iemanjá, orixá celebrada naquele dia. O céu azul de verão foi tomado por nuvens densas, branco-acinzentadas, para então desabar em forma de água sobre os foliões em um dilúvio festivo tão inesperado quanto memorável.
Sob o comando da drag queen Juana Profunda, que parecia encarnar sua versão da saudosa sambista Clara Nunes, com uma peruca crespa de vermelho intenso e um ornamento de cabeça em estilo afro, uma legião, carnavalescos de várias gerações gritavam, em uníssono: “Eu não vou embora!”. Recusavam-se a desistir da missão de colocar o bloco nos paralelepípedos da Rua Jaime Reis, em direção aos largos do Rosário e da Ordem. Sambas conhecidos, marchinhas históricas, hits da axé music e até do pop-rock nacional se intercalavam, fazendo o povo pular como se não houvesse amanhã.
No sábado passado, o temperamento oscilante, algo caprichoso, da terra das araucárias, fez-se ainda mais presente. Ao mesmo tempo em que o Bloco Brasilidades realizava seu animadíssimo esquenta nas Ruínas de São Francisco, para depois percorrer o Centro Histórico, o maçarico que fazia todos presentes suar em bicas, de repente cedeu aos apelos de Iemanjá, orixá celebrada naquele dia.
O aguaceiro em poucos minutos encharcou quem estava fantasiado, mas também os foliões à paisana, alguns arrebanhados pelo caminho. Viam-se celulares sendo guardados em sacos plásticos e escondidos às pressas nas roupas de baixo, assim como eventuais bolsas femininas e mochilas sendo protegidas do temporal na medida do possível. Mas nada parecia dissuadir a trupe, quase em transe àquela altura, de abandonar o espetáculo aquático no qual o desfile do bloco se transformara.
As condições meteorológicas adversas, em vez de intimidar, haviam potencializado o desejo de viver aquele momento de comunhão entre os participantes e deles com a cidade de uma forma tão inusitada, que quem nos visse ali a chacoalhar o esqueleto ao som da bateria, sob um verdadeiro dilúvio, custaria a acreditar que a festa, irônica e previamente batizada de “Seres das Águas”, tratava-se de uma cena de realismo mágico, como em um sonho de uma tarde de verão.