Ele era um sujeito solitário, daqueles que se sentam no fundo da sala, evitando falar além do necessário. Vez ou outra, levantava a mão, e expressava sua opinião. Sobretudo nas aulas de Literatura Brasileira e História. Intrigava-me o fato de nunca alterar seu tom de voz. Ainda assim, tinha o poder de fazer-se ouvir. Pausadamente, expunha seu ponto de vista com firmeza. O resto da turma voltava-se para ouvi-lo, para também olhá-lo enquanto falava, talvez porque isso não acontecesse com tanta frequência. O que dizia sempre parecia fazer sentido, por mais original e inusitado que fossem seus pontos de vista.
Tentei algumas vezes me aproximar, e até fui bem recebido. Conversas rápidas durante os intervalos ou na saída das aulas. Pouco sabia de sua vida, e ele não ajudava muito. Era propositalmente evasivo, reticente, e não apenas comigo. Mantinha sua vida pessoal envolta em mistério, embora nunca tenha me parecido antissocial, misantropo. Apenas guardava uma considerável distância de tudo e de todos, como se estivesse a se proteger. Carregava no corpo a elegância discreta de quem parecia ter sofrido mais do que qualquer um de nós. Tínhamos todos mais ou menos a mesma idade, no entanto, éramos meninos ao seu lado. Apresentava ares de homem em um corpo de adolescente, alto, magro e um pouco arcado. Seu olhar era ao mesmo tempo doce e cansado.
Ele era um sujeito solitário, daqueles que se sentam no fundo da sala, evitando falar além do necessário. Vez ou outra, levantava a mão, e expressava sua opinião. Sobretudo nas aulas de Literatura Brasileira e História. Intrigava-me o fato de nunca alterar seu tom de voz. Ainda assim, tinha o poder de fazer-se ouvir. Pausadamente, expunha seu ponto de vista com firmeza.
Assíduo frequentador de Biblioteca Pública, no Centro de Curitiba, ele sempre tinha um livro em punho. Como eu gostava bastante de ler, ficava atento. Os títulos mudavam toda semana, por mais volumosos que fossem. Não foram poucas as vezes que acabei o copiando, e indo atrás das obras que carregava debaixo do braço esquerdo (era canhoto como eu) – Incidente em Antares, o romance de realismo fantástico de Erico Verissimo, e o intrigante O Espião Que Saiu do Frio, de John Le Carré, foram algumas delas.
Por causa de Complexo de Portnoy, acabei levando uma repreensão da professora de Língua Portuguesa, que ao me ver mergulhado nas páginas escandalosas e confessionais do livro que consagrou Philip Roth, disparou: “Isso é leitura para alguém da sua idade, Paulo? Seus pais sabem o que anda lendo?”. Respondi que sim, sem exatamente mentir. Afinal, o livro estava dando sopa nas estantes da minha casa, mas só me dei conta de sua existência por causa de Luiz (era esse seu nome).
Um dia, meu colega deixou de ir à aula. Desapareceu. Semanas mais tarde, fui chamado à direção do colégio. Ao entrar na sala, havia uma mulher com ar preocupado, sentada diante da coordenadora, que pediu que me sentasse e me apresentou à senhora. Era a mãe dele. “Você sabe onde está o Luiz?”, a pergunta veio à queima-roupa. Por que deveria saber? “Ele fala de você. Diz que é seu amigo, que vocês falam bastante de livros”, disse sua mãe, com ar melancólico, emendando uma outra indagação: “Ele te contou que ia fugir de casa?”. Não, eu não sabia de nada. Descobri naquele instante que tinha problemas com um padrasto que eu nem sequer sabia existir. Aparentemente, ele referia-se a mim como um amigo. Talvez, na cabeça dele, eu fosse. Pouco pude ajudar.
Soube, um tempo depois, que Luiz voltou para casa. Nunca retornou ao colégio, contudo. Eu já estava no primeiro ano da faculdade quando recebi uma ligação inesperada. Disse que havia me visto de longe, na rua, e descoberto meu número na lista. Queria que eu fosse à sua casa para colocarmos a conversa em dia. Estava namorando uma “irmã da igreja”, contou. Eu nem sabia que era religioso. Marcou um encontro na Praça Tiradentes. No dia, fui, esperei por uma hora, mas ele jamais apareceu. Sumiu para nunca mais meu quase amigo.